PENTECOSTES 15 de
maio de 2016
1)O presidente em exercício e Deus no controle
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A expressão “Deus está no controle” que às vezes vemos colada no vidro
de um carro, é muito usada por alguns cristãos pentecostais. Presumo que não
foi criada para mudar a imagem bíblica do Criador paternal em figura de mero
administrador ou projetista da criação. Mas esta expressão parecia embalar a
posse do presidente interino. Como o advogado e professor constitucionalista
terminou o discurso na pele de teólogo, penso que um teólogo também poderá às
vezes vestir a pele de jornalista. Um jornalista escreveu outro dia: estamos
com dois governos, num país acéfalo? Lanço outra pergunta: Qual é nossa fé
diante de Deus e dos dias atuais?
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A liturgia anual nos chama neste domingo para meditar no “tempo do
Espírito”, Pentecostes, ênfase,
aliás, característica das igrejas pentecostais.
Pentecostes era uma das três grandes festas anuais em Israel antigo em seu
nome menos antigo. Primeiro era chamada Festa da colheita (de grãos), quando se
reuniam para agradecer a Deus o dom da terra e para comemorar, a fraternidade
(pensada como universal, pois o Senhor Deus Jahwé mandava a chuva e o sol para
hebreus e estrangeiros). Assim se podia também aprender e comemorar a
repartição dos bens da terra como dom de Deus. Depois (cf. livro do
Deuteronômio 16,9-12) o ritual da festa incluiu a memória do êxodo que caminhou
para o Sinai e levou aos Mandamentos. Por isso ficou conhecida também como a
festa “das semanas” (após a saída do Egito). À gratidão pela terra e seus
frutos se acrescenta a gratidão pela doação da Toráh, a instrução divina para
viver bem e ser feliz. Por ser celebrada 50 dias após a Páscoa, a influência da
cultura grega (que também passou a dominar Israel e chegou a fazer uma tradução
dos escritos bíblicos em grego) deu mais um nome para a festa: Pentecostes (ou
50 dias – sete semanas depois da Páscoa). Esse nome consta no Novo Testamento
quando os discípulos judeus de Jesus se reuniam com a multidão dos judeus
provenientes de outras regiões da diáspora. Os textos cristãos são escritos
agora em grego – uma língua comum para todas as nações dependentes do Império
romano à época.
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Mas nossa vida não se move apenas em celebrações cristãs semanais ou
anuais. Entre os domingos (ou sábados, para judeus e adventistas), vivemos
todos no miolo de um furacão, que vai do desemprego ao caos político-social
neste Brasil que, como reconheceu o presidente em exercício em sua posse “ainda
é um país pobre”. Ainda vivemos sem um horizonte mais claro sobre o futuro.
Nesse lusco-fusco dos dias atuais o que lemos e vemos em jornais, rádio ou TV acaba
sendo um pouco mais do mesmo. Ninguém é favorável ao desemprego e à inflação e
quem não vê necessidade de reformas, ajuste fiscal, etc. ? Só não há esperança
de reforma política, já que legisladores (que falam em nome do povo) em geral
legislam em causa própria... Vemos nos jornais, rádio ou TV que muitos
analistas falam sobre o momento atual assim:Ministérios, ainda que em número
menor, continuam distribuídos conforme a troca de apoio de partidos, filme que
já vimos vezes seguidas. Parece que o nó que a presidência precisa mesmo
desatar seria a tal da “base de apoio” (ainda que vivamos sob regime
presidencialista).
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Sabemos que, assim como em governos anteriores, a ideologia
“materialista” é comum tanto aos “de esquerda” como aos “de direita”, ou seja,
a “religião” dos eleitores depende do bolso (tudo melhora se a economia melhora
e Deus não tem nada a ver com Marx nem com Adam Smith, nem com escolas de
economia mais próximas ou mais distantes de Boston).
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Mas o discurso de posse do governo atual terminou pedindo que Deus
esteja no controle: “Finalmente meus
amigos, fundado num critério de alta religiosidade. E vocês sabem que Religião
vem do latim ‘religo,religare’. Portanto, quando você é religioso, você está
fazendo uma re-ligação e o que nós queremos fazer agora com o Brasil é um ato
re-ligioso, é um ato de religação de toda a sociedade brasileira com os valores
fundamentais de nosso país. Por isso eu peço a Deus que abençoe a todos nós, A
mim, à minha equipe, aos congressistas, aos membros do Poder Judiciário e ao
povo brasileiro, para estarmos sempre à altura dos grandes desafios que temos
pela frente”.
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É preciso mesmo muita oração para enfrentarmos os desafios desse Brasil
meio confuso. No Congresso, muitos querem usar a religião e a fé de outros.
Como exemplo lembremos um deputado que, apesar do manifesto apoio ao uso da
tortura, acaba de ser “batizado no Rio Jordão em Israel” conforme notícia
publicada no site “notícias.goslpelmais.com.br”. De qualquer modo a “re-ligação
da sociedade com valores do nosso país” é uma adaptação da definição de
“religião” um tanto distante da questão original da relação entre Deus e o ser
humano.
2) Festa da gratidão e da partilha (dos
bens materiais, culturais e espirituais)
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Mudando do assunto da religião para a fé, meditamos neste domingo sobre
o Mistério da força de Deus que age dentro do ser humano. O Espírito pervadindo
toda criatura. A criação carregada de genes divinos.
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A hereditariedade silenciosa de vez em quando assobia como a ventania. E
produz compreensão entre as pessoas para além das línguas e linguagens
diferentes. E as conduz à esperança, apesar das dificuldades próprias da vida,
muitas oriundas da busca de alternativas e sistemas sociais que alcancem maior
justiça e liberdade.
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O “Espírito que vem do alto” inspira o ser humano a fazer o bem e não o
mal, atendendo em primeiro lugar aos mais sofridos e necessitados. O Espírito é
a presença do Mistério de um Criador-Redentor-Consolador, o único capaz de
promover toda re-ligação possível entre os grupos sociais e culturais (judeus ou gregos, escravos ou livres nas
palavras de Paulo, cf.1cor12), doador
de paz e o perdão. O “derramar-se” do Espírito – consolador em nossas aflições,
advogado nosso quando erramos, inspirador do bem em todo momento – aparecem na narrativa
do Pentecostes no livro dos “Atos” (cf.1ª.leitura cap2). É reinterpretado por
Paulo (2ª.leitura: 1ª.carta aos coríntiios 12,3-13). Ele se dá a nós e em todos
os povos às pessoas de coração aberto ao bem: elas formam o “Corpo Místico de
Cristo” (ver a 3ª.leitura, do evangelho de João cap. 20).
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Tudo o que recebemos são “Dons”. Não o resultado de um esforço: nem da
massa nem da elite; nem do povo nem de seus representantes eleitos, nem do
Executivo nem do Judiciário. Mas dom e graça. Dele, do Espírito. Ele é hoje é
particularmente lembrado e celebrado (em muitos lugares festejado na
simplicidade e na riqueza das danças e cortejos “do Divino”). Se a posse
presidencial concluiu com “um bom Brasil para todos”, acrescentemos desejando
uns aos outros: “Boa Páscoa” e “Bom Pentecostes para todos”!!
Obs. Na internet, há muitos vídeos e
textos do discurso referido incompletos ou editados. Ao menos esta transcrição
é integral:
http://g1.globo.com/politica/processo-de-impeachment-de-dilma/noticia/2016/05/veja-integra-do-primeiro-discurso-de-temer-como-presidente-em-exercicio.html
oooooooooo
( * ) Prof. (Edu/Teo/Fil,1975-2012)
fesomor2@gmail.com
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