Comentários Prof.Fernando*
5 ºdom do Tempo comum/após epifania 7 de fevereiro 2015
A “pesca maravilhosa”
1) 3 homens
e uma história
·
“Fazemos a história e
a história nos faz. Cada um de nós é marcado pela época, pelo lugar social,
pela situação econômica, política e religiosa em que vive e pelas opções feitas
no decorrer da vida. (...) O profeta Isaías presenciou e vivenciou a injustiça
praticada pela elite dirigente e as consequências dessa situação na vida do
povo. De acordo com a sua fé em “Javé dos exércitos” (1,9), o “Santo de Israel”
(5,19) – expressões muito usadas por ele para falar de Deus – e sensível aos
pobres, carinhosamente chamado por ele de “meu povo”, Isaías denunciou: “Que
direito têm vocês de oprimir o meu povo e de esmagar a face dos pobres ?”
(3,15). Isaías exigia justiça dentro da monarquia davídica. Filho de seu
contexto histórico-social, acreditava que um rei justo e bom poderia criar uma
sociedade humana e fraterna” (cf. sinopse do livro de Enilda de Paula Pedro/Shigeyuki Nakanose Como ler o primeiro Isaías (1-39) Confiar em
Javé, o santo de Israel, SP, ed. Paulus,1999). Em meados do século 8º a.C.
aquele homem teve uma espécie de sonho ou visão fantástica (Isaías cap.6):
estava no palácio do seu Deus Jahwé e ouviu Anjos Serafins exclamando: Santo, santo, santo é o Senhor Deus do
universo! E Isaías gemeu: “Ai de mim,
gritava eu. Estou perdido porque sou um homem de lábios impuros, e habito com
um povo (também) de lábios impuros e, entretanto, meus olhos viram o rei, o
Senhor dos exércitos!”. Em seguida, continua o profeta, um dos serafins voou em minha direção;
trazia na mão uma brasa viva, que tinha tomado do altar com uma tenaz. Aplicou-a
na minha boca e disse: Esta brasa tocou teus lábios e teu pecado foi tirado e
tua falta, apagada”. Ouvi então a voz do Senhor que dizia: “Quem enviarei eu? E
quem irá por nós?” “Eis-me aqui”, disse eu, “enviai-me (Isaías
·
Outro
homem, 800 anos depois, em carta aos amigos de Corinto (século 1 d.C) escreve a
respeito de um certo Jesus Cristo: foi
sepultado, e ressurgiu ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a Cefas, e em seguida aos Doze.
Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez, dos quais a maior parte
ainda vive (e alguns já são mortos); depois apareceu a Tiago, em seguida a
todos os apóstolos. E por último de todos, apareceu também a mim, como a um
abortivo. Porque eu sou o menor dos apóstolos, e não sou digno de ser chamado
apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o que
sou, e a graça que ele me deu não tem sido inútil. Ao contrário, tenho
trabalhado mais do que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está comigo.
Como o antigo profeta, Paulo
reconhece que foi transformado pela energia gratuita e divina. Diante do “Totalmente Outro” (o Kadósh hebraico é o “Santo”, o totalmente
diferente da criatura humana) ele percebia como era pequeno (aliás, o menor de
todos); ele se considerava como um aborto, uma interrupção, um incompleto.
Afinal ele tinha escolhido ser um “caçador de clandestinos”, perseguidor de
herejes, colocando-se a serviço da condenação dos traidores de sua religião. O
“justiceiro” Saulo, tendo visto o Ressuscitado, tornou-se Paulo.
·
Um
terceiro homem, chamado Pedro, reconhece o seu lugar de “pecador” (no confronto
com o Santo de Deus. Os demônios às
vezes também diziam “afaste-se de nós”. Mas Pedro foi convocado para ser uma
espécie de primus inter pares (o
primeiro num colegiado) no grupo dos “doze” (círculo escolhido para ser as
testemunhas principais do Ressuscitado; como diz o teólogo francês Jacques
Fournier “seu nome parece personificar o grupo dos Doze”, e acrescenta que a
divergência existente entre as confissões cristãs não está centrada no lugar singular
que Pedro ocupa no Novo Testamento, mas na transmissão desta singularidade a
seus sucessores. Foi esse “importante” Pedro que chegou a negar seu vínculo com
o Mestre condenado à morte. No texto de hoje (Lucas cap.5), no entanto, Pedro
tem consciência de que é (como Isaías ou Paulo) um “ser pecador”: Vendo isso [a pesca milagrosa] Simão Pedro caiu aos pés de Jesus e
exclamou: “Afasta-se de mim, Senhor [um dos principais títulos com que o
Novo Testamento reconhece a Divindade] porque
sou um homem pecador.
2) Quem sou eu?
·
Cada um de nós se pergunta: qual
o sentido de minha vida? Qual é minha vocação, ou: a que missão sou chamado?
Que projetos posso realizar? Cada qual (em sua profissão, sua história pessoal,
seu contexto, seu grupo social, meio familiar ou político-social), pode certamente
fazer coisas maravilhosas, verdadeiros “milagres”. Não por ser melhor do que
outros. E o fará desde que seja humilde (verdadeiro) a ponto de reconhecer-se
em suas limitações e fraquezas (contextuais, familiares, corporais, de saúde,
de recursos, etc.). Quem se “realiza” ou encontra seu caminho (“vocação”) na
vida (inclusive aqueles que não são movidos por crenças “religiosas”), de algum
modo já viveu a experiência do milagre, percebeu sua “pesca maravilhosa” na
vida.
3) trabalhamos
e... nada! mas por causa de tua palavra lançarei a rede
·
A mensagem da “pesca maravilhosa”
não está centrada no “milagre”. O centro da narrativa (como em Isaías e em Paulo)
está em reconhecer quem é o Santo, quem
é o Pecador. Aquele que é o Transcendente, porém, só pede para confiar em sua
Palavra. Confiança é reconhecer a Força que há em nós. E eka nos foi dada para
sermos humanos integralmente.
·
Não importa se somos limitados,
carentes. Até mesmo capazes de fazer o Mal. Porque ele transforma os “lábios
impuros” em boca de Profeta. Ele muda a raiva do fariseu “certinho” no reconhecimento
que afirma: “sou o que sou” por obra e graça de quem é o único Bom e Santo. Ele
convoca não só o pescador para tornar-se “pescador de seres humanos”, mas – seja
qual for a profissão ou a história de cada um – todos são convocados a ser “fabricantes”
de humanidade, pelo exercício da muitas “obras de misericórdia”, por meio da
compaixão e da solidariedade.
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