32º Domingo do Tempo Comum – Ano C
6 Novembro 2016
ANO C
32º DOMINGO DO TEMPO
COMUM
Tema do 32º Domingo do
Tempo Comum
A liturgia deste
domingo propõe-nos uma reflexão sobre os horizontes últimos do homem e
garante-nos a vida que não acaba.
Na primeira leitura,
temos o testemunho de sete irmãos que deram a vida pela sua fé, durante a
perseguição movida contra os judeus por Antíoco IV Epifanes. Aquilo que motivou
os sete irmãos mártires, que lhes deu força para enfrentar a tortura e a morte
foi, precisamente, a certeza de que Deus reserva a vida eterna àqueles que,
neste mundo, percorrem, com fidelidade, os seus caminhos.
No Evangelho, Jesus
garante que a ressurreição é a realidade que nos espera. No entanto, não vale a
pena estar a julgar e a imaginar essa realidade à luz das categorias que marcam
a nossa existência finita e limitada neste mundo; a nossa existência de ressuscitados
será uma existência plena, total, nova. A forma como isso acontecerá é um
mistério; mas a ressurreição é uma certeza absoluta no horizonte do crente.
Na segunda leitura
temos um convite a manter o diálogo e a comunhão com Deus, enquanto esperamos que
chegue a segunda vinda de Cristo e a vida nova que Deus nos reserva. Só com a
oração será possível mantermo-nos fiéis ao Evangelho e ter a coragem de
anunciar a todos os homens a Boa Nova da salvação.
LEITURA I – 2 Mac
7,1-2.9-14
Leitura do Segundo
Livro de Macabeus
Naqueles dias,
foram presos sete
irmãos, juntamente com a mãe,
e o rei da Síria quis
obrigá-los,
à força de golpes de
azorrague e de nervos de boi,
a comer carne de porco
proibida pela Lei judaica.
Um deles tomou a
palavra em nome de todos
e falou assim ao rei:
«Que pretendes
perguntar e saber de nós?
Estamos prontos para
morrer,
antes que violar a lei
de nossos pais».
Prestes a soltar o
último suspiro,
o segundo irmão disse:
«Tu, malvado,
pretendes arrancar-nos a vida presente,
mas o Rei do universo
ressuscitar-nos-á para a vida eterna,
se morrermos fiéis às
suas leis».
Depois deste começaram
a torturar o terceiro.
Intimado a pôr fora a
língua,
apresentou-a sem
demora
e estendeu as mãos
resolutamente,
dizendo com nobre
coragem:
«Do Céu recebi estes
membros
e é por causa das suas
leis que os desprezo,
pois do Céu espero
recebê-los de novo».
O próprio rei e
quantos o acompanhavam
estavam admirados com
a força de ânimo do jovem,
que não fazia nenhum
caso das torturas.
Depois de executado
este último,
sujeitaram o quarto ao
mesmo suplício.
Quando estava para
morrer, falou assim:
«Vale a pena morrermos
às mãos dos homens,
quando temos a
esperança em Deus
de que Ele nos
ressuscitará;
mas tu, ó rei, não
ressuscitarás para a vida».
AMBIENTE
Em 323 a.C.,
Alexandre, o Grande, morreu e o império foi dividido pelos seus generais
(“diadocos”). A Palestina (desde 333 a.C., integrada no império de Alexandre)
ficou, inicialmente, nas mãos dos Ptolomeus (que dominavam ainda o Egipto e a
Fenícia). No entanto, a partir do ano 200 (batalha das “fontes do Jordão”), a
Palestina passou para as mãos dos Selêucidas (outra família de generais de
Alexandre, que já dominava a Síria e a Mesopotâmia).
Os Ptolomeus tiveram
uma atitude relativamente tolerante para com o judaísmo e respeitaram, no
geral, as tradições e a fé do Povo de Deus; mas, sob a autoridade dos
Selêucidas, sobreveio uma fase em que a cultura helénica se tornou mais
agressiva, ameaçando pôr em causa a sobrevivência do judaísmo. Foi, sobretudo,
no reinado de Antíoco IV Epifanes (175-164 a.C.) que o helenismo foi imposto –
inclusive pela força – ao Povo de Deus. Muitos judeus – apostados em manter
vivas as suas tradições – foram perseguidos e mortos.
O texto que nos é
proposto coloca-nos neste ambiente. Conta-nos o martírio de uma mãe e dos seus
sete filhos, que se recusaram a violar a fé e as tradições judaicas e foram
mortos por isso. Trata-se, provavelmente, de uma tradição popular (embora com
um substrato histórico), transmitida oralmente durante algum tempo, antes de
ser integrada no segundo livro dos Macabeus. O autor não dá qualquer indicação
acerca do lugar do martírio, nem do nome dos sete irmãos.
MENSAGEM
A história
apresenta-nos, portanto, uma família de sete irmãos e da sua mãe, que o rei
pretendia coagir (através da tortura) a abandonar a fé e a comer carne de porco
(proibida pela Lei, por ser carne de um animal “impuro”). O nosso trecho
apresenta as respostas corajosas de alguns destes irmãos, preocupados mais com
a fidelidade aos valores judaicos e à fé dos pais, do que com as ameaças do
rei.
O que é que “faz
correr” estes jovens? O que é que lhes dá a coragem para enfrentar as
exigências dos seus algozes? De acordo com as explicações que o autor coloca na
boca dos nossos heróis, é a fé na ressurreição ou, literalmente, na
revivificação eterna de vida (vers. 9) que os motiva. Os sete irmãos tiveram a
coragem de defender a sua fé até à morte, porque acreditavam que Deus lhes
devolveria outra vez a vida, uma vida semelhante àquela que lhes ia ser tirada.
O Deus criador tem, de acordo com a catequese aqui feita, o poder de
ressuscitar os mártires para a vida eterna…
Não é, ainda, a noção
neo-testamentária de ressurreição (uma vida nova, uma vida plena, uma vida
transformada e elevada à máxima potencialidade) que aqui aparece; é apenas a
ideia de uma revivificação, de um readquirir no outro mundo uma vida semelhante
àquela que aqui foi roubada ao homem (embora se admitisse que, nesse mundo de
Deus, já não haveria pranto, nem sofrimento, nem morte). De qualquer forma, é a
ideia de imortalidade que aqui é formulada. Repare-se, no entanto, que o nosso
texto ainda não ensina a revivificação de todos os homens, mas apenas dos
justos (vers. 14).
É a primeira vez que a
doutrina da ressurreição é explicitamente apresentada na Bíblia. A partir
daqui, esta ideia vai desenvolver-se cada vez mais, até ser completamente
iluminada pelo exemplo de Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
Reflectir a partir das
seguintes linhas:
• Como é que termina a
nossa vida? Os sonhos que procuramos concretizar, as nossas realizações mais
queridas, que é que valem se nos espera um dia, inevitavelmente, a morte?
Estamos condenados a deixar e a perder tudo aquilo que amamos? A nossa morte é
uma viagem fatal em direcção ao nada? Estas perguntas são eternas; e, há cerca
de 2100 anos, um catequista de Israel já as colocava… A sua fé ditou-lhe, no
entanto, a certeza de que a vida continua para além desta terra. É essa certeza
que ele nos deixa, neste texto; e é essa experiência de fé que ele nos convida
a fazer.
• Quem acredita na
ressurreição não pode deixar-se paralisar pelo medo (muitas vezes é o medo que
limita a nossa existência e nos impede de defender os valores em que
acreditamos)… Pode comprometer-se na luta pela justiça e pela verdade, na certeza
de que as forças da morte não o podem vencer ou destruir. É essa certeza que
animou o testemunho de tantos mártires de ontem e de hoje… É essa certeza que
anima a minha luta e que dá força ao meu compromisso?
• É, sem dúvida,
inspiradora a “teimosia” com que estes irmãos defendem os valores em que
acreditam. Num mundo em que o que é verdade de manhã, deixou de ser verdade à
tarde, em que o partido dos oportunistas tem cada vez mais simpatizantes e em
que todos os meios são legítimos para alcançar certos fins, o testemunho destes
mártires é uma poderosa interpelação… Somos capazes de defender, com verdade e
verticalidade aquilo em que acreditamos? Somos capazes de lutar, ainda que
contra a corrente, pelos valores que nos parecem mais significativos e
duradouros?
SALMO RESPONSORIAL –
Salmo 16 (17)
Refrão: Senhor,
ficarei saciado, quando surgir a vossa glória.
Ouvi, Senhor, uma
causa justa,
atendei a minha
súplica.
Escutai a minha
oração,
feita com sinceridade.
Firmai os meus passos
nas vossas veredas,
para que não vacilem
os meus pés.
Eu Vos invoco, ó Deus,
respondei-me,
ouvi e escutai as
minhas palavras.
Protegei-me à sombra
das vossas asas,
longe dos ímpios que
me fazem violência.
Senhor, mereça eu
contemplar a vossa face
e ao despertar
saciar-me com a vossa imagem.
LEITURA II – 2 Tes
2,16-3,5
Leitura da Segunda
Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses
Irmãos:
Jesus Cristo, nosso
Senhor,
e Deus, nosso Pai,
que nos amou e nos
deu, pela sua graça,
eterna consolação e
feliz esperança,
confortem os vossos
corações
e os tornem firmes em
toda a espécie de boas obras e palavras.
Entretanto, irmãos,
orai por nós,
para que a palavra do
Senhor
se propague
rapidamente e seja glorificada,
como acontece no meio
de vós.
Orai também,
para que sejamos
livres dos homens perversos e maus,
pois nem todos têm fé.
Mas o Senhor é fiel:
Ele vos dará firmeza e
vos guardará do Maligno.
Quanto a vós,
confiamos inteiramente no Senhor
que cumpris e
cumprireis o que vos mandamos.
O Senhor dirija os
vossos corações,
para que amem a Deus
e aguardem a Cristo
com perseverança.
AMBIENTE
Já vimos no passado
domingo que a Segunda Carta aos Tessalonicenses (que alguns admitem não ser de
Paulo) nos coloca frente a uma comunidade cristã fervorosa, que vive com
empenho e generosidade o seu compromisso cristão apesar das provações,
constituindo mesmo um modelo para as comunidades vizinhas (cf. 1 Tes 1,7-8); no
entanto, a comunidade a que esta carta se destina é, também, uma comunidade com
algumas dúvidas e inquietações em questões de doutrina – nomeadamente no que
diz respeito ao “dia do Senhor” (isto é, à segunda vinda de Jesus). De resto,
Paulo aproveita a ocasião para corrigir comportamentos, fazer alguns pedidos e
exortar a uma fidelidade cada vez maior ao Evangelho de Jesus.
MENSAGEM
Depois de apresentar a
doutrina sobre a segunda vinda do Senhor (2,1-12), o autor da carta convida os
tessalonicenses a assumir a atitude correcta, enquanto esperam essa vinda. Em
concreto, o autor da carta pede aos cristãos de Tessalónica que guardem as
tradições recebidas de Paulo, “de viva voz ou por carta”, isto é, pede-lhes que
se mantenham fiéis ao Evangelho de Jesus que o apóstolo lhes transmitiu
(2,13-15).
O texto que hoje nos é
proposto como segunda leitura começa precisamente neste ponto… O convite a
permanecer fiéis às tradições recebidas vai acompanhado de uma súplica a Deus
Pai e a Jesus Cristo, para que tornem possível essa fidelidade (2,16-17). Mais
uma vez fica claro que, no processo de salvação do homem, há dois planos: o dom
de Deus e o esforço de fidelidade do homem. É preciso, no entanto, deixar claro
que, sem a graça de Deus, o esforço do homem seria inútil.
Na segunda parte do
nosso texto (3,1-5), temos um pedido de oração pelo apóstolo e pelo seu
ministério. À súplica do autor em favor dos destinatários da carta (2,16-17),
deve responder a súplica dos destinatários da carta em favor do apóstolo. A
oração de uns pelos outros é uma forma preciosa de solidariedade cristã.
De resto, os crentes
que já receberam a Palavra transformadora e libertadora de Jesus devem
solicitar a ajuda divina para que a proposta de salvação que Cristo veio
trazer, e que a Igreja ficou encarregada de testemunhar, chegue a todos os
homens; ainda mais se, como parece insinuar-se no presente caso, as
circunstâncias são decididamente adversas à proclamação e vivência do
Evangelho. Repare-se como, também aqui, o papel de Deus é central: o autor da
carta sabe que, sem a ajuda de Deus, será impossível ao apóstolo dar testemunho.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão da Palavra
pode fazer-se a partir dos seguintes elementos:
• Este texto obriga-me
a tomar consciência de que é com a ajuda de Deus que o crente consegue viver na
fidelidade ao Evangelho, enquanto espera a vinda do Senhor. Tenho consciência
de que é d’Ele que brota a minha fidelidade ao Evangelho, ou considero que as
minhas vitórias e conquistas, neste campo, se devem apenas a mim, aos meus
méritos e qualidades?
• É com a ajuda de
Deus que o missionário tem a coragem de anunciar fielmente o Evangelho e de
vencer as dificuldades, as injustiças, as incompreensões, as oposições que são
obstáculo ao seu trabalho e ao seu testemunho. Tenho consciência de que é na
oração – minha e dos meus irmãos – que encontro a força de Deus? Quando, como
apóstolo, tenho de enfrentar a oposição e a incompreensão do mundo, confio em
Deus, peço-Lhe ajuda, ou deixo que o medo e o desânimo tomem conta do meu
coração e me levem a desistir da missão que Deus me confiou?
• O pedido de rezar
“uns pelos outros” convida-nos a tomar consciência da solidariedade que deve
marcar a experiência comunitária. O cristão nunca é uma pessoa isolada, mas o
membro de uma família de irmãos, chamados a viver no amor, na partilha, na
entrega da vida, como membros de um único corpo – o corpo de Cristo. É preciso
tomar consciência dos laços que nos unem, sentirmo-nos responsáveis pelos
nossos irmãos, partilhar as suas dores e alegrias, fazer nossos os seus
problemas e, no nosso diálogo com Deus, ter presente as necessidades de todos.
ALELUIA – Ap 1,5a.6b
Aleluia. Aleluia.
Jesus Cristo é o
Primogénito dos mortos.
A Ele a glória e o
poder pelos séculos dos séculos.
EVANGELHO – Lc
20,27-38
Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
aproximaram-se de
Jesus alguns saduceus
– que negam a
ressurreição –
e fizeram-Lhe a
seguinte pergunta:
«Mestre, Moisés
deixou-nos escrito:
‘Se morrer a alguém um
irmão,
que deixe mulher, mas
sem filhos,
esse homem deve casar
com a viúva,
para dar descendência
a seu irmão’.
Ora havia sete irmãos.
O primeiro casou-se e
morreu sem filhos.
O segundo e depois o
terceiro desposaram a viúva;
e o mesmo sucedeu aos
sete,
que morreram e não
deixaram filhos.
Por fim, morreu também
a mulher.
De qual destes será
ela esposa na ressurreição,
uma vez que os sete a
tiveram por mulher?»
Disse-lhes Jesus:
«Os filhos deste mundo
casam-se e dão-se em
casamento.
Mas aqueles que forem
dignos
de tomar parte na vida
futura e na ressurreição dos mortos,
nem se casam nem se
dão em casamento.
Na verdade, já nem
podem morrer,
pois são como os
Anjos,
e, porque nasceram da
ressurreição, são filhos de Deus.
E que os mortos
ressuscitam,
até Moisés o deu a
entender no episódio da sarça ardente,
quando chama ao Senhor
‘o Deus de Abraão, o
Deus de Isaac e o Deus de Jacob’.
Não é um Deus de
mortos, mas de vivos,
porque para Ele todos
estão vivos».
AMBIENTE
Este texto situa-nos
já em Jerusalém, nos últimos dias antes da morte de Jesus. É a altura das
grandes controvérsias com os líderes judaicos (essas controvérsias representam,
para Lucas, a última oportunidade que Deus dá ao seu Povo, no sentido de acolher
a salvação). Discussão após discussão, torna-se claro que os líderes judaicos
rejeitam a proposta de Jesus: prepara-se, assim, o quadro da paixão e da morte
na cruz.
Os adversários de
Jesus são, no contexto em que o Evangelho deste domingo nos coloca, os saduceus.
No tempo de Jesus, os saduceus formavam um grupo aristocrático, recrutado
sobretudo entre os sacerdotes da classe superior. Exerciam a sua autoridade à
volta do Templo e dominavam o Sinédrio (no entanto, a sua autoridade nessa
instituição não era absoluta desde que os fariseus aí haviam chegado). A sua
importância política era real, ainda que muito limitada pela presença do
procurador romano. Politicamente, eram conservadores e entendiam-se bem com o
opressor romano… Pretendiam manter a situação, para não ver comprometidos os
benefícios políticos, sociais e económicos de que desfrutavam.
Para os saduceus,
apenas interessava a Lei escrita – a “Torah”. Negavam que a Lei oral (que era
essencial para os fariseus) tivesse qualquer valor. Este apego conservador à
Lei escrita explica que negassem algumas crenças e doutrinas admitidas nos
ambientes populares frequentados pelos fariseus. Por isso, não aceitavam a
ressurreição dos mortos: nenhum versículo da “Torah” apoiava essa crença.
No seu conflito com os
fariseus, estava em jogo uma certa visão da sociedade e do poder. Os fariseus
não viam com agrado a “democratização” da Lei promovida pelos fariseus e pelos
seus escribas. Esta “democratização” apresentava o inconveniente de fazer os
sacerdotes perder a sua autoridade como intérpretes da Lei. Diante do povo, os
saduceus mostravam-se distantes, severos, intocáveis.
MENSAGEM
A questão central do
nosso texto gira à volta da ressurreição, um tema que não significava nada para
os saduceus. Percebendo que, quanto a essa questão, a perspectiva de Jesus
estava próxima da dos fariseus, os saduceus apresentaram uma hipótese
académica, com o objectivo de ridicularizar a crença na ressurreição: uma
mulher casou, sucessivamente, com sete irmãos, cumprindo a lei do levirato
(segundo a qual, o irmão de um defunto que morreu sem filhos devia casar com a
viúva, a fim de dar descendência ao falecido e impedir que os bens da família
fossem parar a mãos estranhas, cf. Dt 25,5-10). Quando ressuscitarem, ela será
mulher de qual dos irmãos?
A primeira parte da
resposta de Jesus (vers. 27-36) afirma que a ressurreição não é (como pensavam
os fariseus do tempo) uma simples continuação da vida que vivemos neste mundo
(na linha de uma revivificação – ideia apresentada na primeira leitura), mas
uma vida nova e distinta, uma vida de plenitude que dificilmente podemos
entender a partir das nossas realidades quotidianas. A questão do casamento não
se porá, então (a expressão “são semelhantes aos anjos” do vers. 30 não é uma
expressão de depreciação do matrimónio, mas a afirmação de que, nessa vida
nova, a única preocupação será servir e louvar a Deus). O poder de Deus, que
chama os homens da morte à vida, transforma e assume a totalidade do ser
humano, de forma que nascemos para uma vida totalmente nova e em que as nossas
potencialidades serão elevadas à plenitude. A nossa capacidade de compreensão
deste mistério é limitada, pois estamos a contemplar as coisas e a
classificá-las à luz das nossas realidades terrenas; no entanto, a ressurreição
que nos espera ultrapassa totalmente a nossa realidade terrena.
A segunda parte da
resposta de Jesus (vers. 37-38) é uma afirmação da certeza da ressurreição.
Como não podia apoiar-se nos textos recentes da Escritura (como Dn 12,2-3), que
sugeriam a fé na ressurreição (pois esses textos não tinham qualquer valor para
os saduceus), Jesus cita-lhes a “Torah” (cf. Ex 3,6): no episódio da
sarça-ardente, Jahwéh revelou-Se a Moisés como “o Deus de Abraão, de Isaac e de
Jacob”… Ora, se Deus Se apresenta dessa forma – muitos anos depois de Abraão,
Isaac e Jacob terem desaparecido deste mundo – isso quer dizer que os
patriarcas não estão mortos (um homem “morto” – ou seja, um homem reduzido ao
estado de uma sombra inconsciente e privada de vida no “sheol”, segundo a ideia
semita corrente – tinha perdido a protecção de Deus, pois já não existia como
homem vivo e consciente). Na perspectiva de Jesus, portanto, os patriarcas não
estão reduzidos ao estado de sombras na obscuridade absoluta do “sheol”, mas
vivem actualmente em Deus. Conclusão: se Abraão, Isaac e Jacob estão vivos,
podemos falar em ressurreição.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão pode
fazer-se a partir dos seguintes elementos:
• A questão da
ressurreição não é uma questão pacífica e clara para a maioria dos homens do nosso
tempo. Há quem veja na esperança da ressurreição apenas um “ópio do povo”,
destinado a adormecer a justa vontade de lutar pela construção de um mundo mais
justo; há quem veja na ressurreição uma forma de evasão, face aos problemas que
a vida apresenta; há quem veja na ressurreição uma ilusão onde o homem projecta
os seus desejos insatisfeitos… Convencidos de que a vida se resume aos 70/80
anos que vivemos neste mundo, muitos dos nossos contemporâneos constroem a sua
existência tendo apenas em conta os valores deste mundo, sem quaisquer
horizontes futuros. Que sentido é que isto faz, na perspectiva da nossa fé?
• A ressurreição é, no
entanto, a esperança que dá sentido a toda a caminhada do cristão. A fé cristã
torna a esperança da ressurreição uma certeza absoluta, pois Cristo ressuscitou
e quem se identifica com Cristo nascerá com Ele para a vida nova e definitiva.
A nossa vida presente deve ser, pois, uma caminhada tranquila, confiante,
alegre – ainda quando feita no sofrimento e na dor – em direcção a essa nova
realidade.
• A ressurreição não é
a revivificação dos nossos corpos e a continuação da vida que vivemos neste
mundo; mas é a passagem para uma vida nova onde, sem deixarmos de ser nós
próprios, seremos totalmente outros… É a plenitudização de todas as nossas
capacidades, a meta final do nosso crescimento, a realização da utopia da vida
plena. Sendo assim, há alguma razão para temermos a morte ou para vermos nela
algo que nos priva de alguma coisa importante (nomeadamente a relação com
aqueles que amamos)?
• A certeza da
ressurreição não deve ser, apenas, uma realidade que esperamos; mas deve ser
uma realidade que influencia, desde já, a nossa existência terrena. É o
horizonte da ressurreição que deve influenciar as nossas opções, os nossos
valores, as nossas atitudes; é a certeza da ressurreição que nos dá a coragem
de enfrentar as forças da morte que dominam o mundo, de forma a que o novo céu
e a nova terra que nos esperam comecem a desenhar-se desde já.
• Temos de ter muito
cuidado com a forma como falamos da ressurreição aos homens do nosso tempo,
pois podemos pensá-la, explicá-la e projectá-la à luz da nossa vida actual e
corremos sérios riscos de nos tornarmos ridículos. O que podemos fazer é
afirmar a nossa certeza na ressurreição; depois, temos de confessar a nossa
incapacidade de conceber e de explicar esse mundo novo que nos espera (como a
criança no seio da mãe não compreende nem sabe explicar a vida que a espera no
mundo exterior).
ALGUMAS SUGESTÕES
PRÁTICAS PARA O 32º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes
d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA
AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da
semana anterior ao 32º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de
Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo…
Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da
paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa
comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a
Palavra de Deus.
2. PALAVRA CELEBRADA
NA EUCARISTIA.
A Palavra de Deus não
se limita ao tempo da proclamação e da escuta da Palavra. Na preparação da
celebração, procurar que algumas expressões da liturgia da Palavra estejam
presentes no momento penitencial, nalguma intenção da oração dos fiéis, num
momento de acção de graças…
3. BILHETE DE
EVANGELHO.
Os saduceus, que não
acreditam na ressurreição, procuram ridicularizar Jesus, que a defende. A
mensagem de Jesus é uma mensagem de esperança. Ele quer ajudar os seus ouvintes
a erguer os olhos, isto é, a não ficarem agarrados aos bens materiais e
unicamente a esta vida na terra. Ele veio anunciar um Reino no qual a única
filiação real e eterna é aquela que nos liga a Deus. Ele apresenta Deus como um
ser de relação: relação do Pai com o Filho na comunhão realizada pelo Espírito.
Mas relação também de Deus com a humanidade: o nosso Deus é sempre o Deus de
alguém, Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob. E é numa relação de
Aliança que Deus Se situa. A relação com Deus não conhece a morte: se o homem é
chamado a ressuscitar, é porque Deus quer selar uma aliança eterna à qual Ele é
sempre fiel.
4. À ESCUTA DA
PALAVRA.
Não nos riamos desta
história ridícula, inventada pelos saduceus. É verdade que uma prescrição da
Lei de Moisés dizia que uma mulher que não tinha tido filhos e que se tornara
viúva devia casar com o irmão do defunto para ter um filho que seria
considerado como o filho deste defunto. A história dos saduceus é rocambolesca.
Mas estes últimos, contrariamente aos fariseus, não acreditavam na
ressurreição, com o pretexto de que Jesus não lhes havia dito nada sobre isso.
Então, querem apanhar Jesus em falta, Ele que acreditava na ressurreição. Com a
sua história, eles ridicularizam Jesus e a crença na ressurreição. Ora, esta ideia
da ressurreição não é hoje mais evidente do que há dois mil anos. Os gregos
reencontrados por São Paulo não acreditavam nisso. E hoje, os cristãos, mesmo
muito “praticantes”, são cada vez mais numerosos a aderir à teoria da
reincarnação. É verdade que nunca se viu ninguém voltar do além da morte,
enquanto se fornecem quantidades de testemunhos de pessoas que dizem ter
recordações de uma vida anterior. No fundo, os saduceus são seriam estranhos
entre nós hoje! Reconheçamos que a ressurreição é uma realidade muito
misteriosa para nós. Quando Jesus ressuscitado apareceu aos seus discípulos,
teve que usar muita pedagogia, persuasão e repreensões para os convencer de que
era verdadeiramente Ele. Eles não acreditaram imediatamente! Hoje, o cerne do
ensinamento de Jesus é a sua palavra: “E que os mortos ressuscitam, até Moisés
o deu a entender no episódio da sarça-ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus
de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’. Não é um Deus de mortos, mas de
vivos, porque para Ele todos estão vivos”. Deus, o Criador, está para além do
tempo. Se Ele ressuscita cada ser humano, é por um acto infinito e eterno de
amor criador. Ele dá um nome único, pessoal a cada homem. Ele nunca poderá
retomar nem suprimir este acto. Cada ser humano que vem ao mundo é
verdadeiramente um “pedaço de eternidade”. Cada ser humano será para sempre
“ele” e não um outro. Cada ser humano viverá para sempre, enraizado no amor
eterno de Deus. Pela sua ressurreição, Jesus abriu-nos o caminho da nossa
própria vida em plenitude em Deus.
5. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
Sugere-se a escolha da
Oração Eucarística III.
6. PALAVRA PARA O
CAMINHO DA VIDA…
Levar a Palavra de Deus como luz para mais uma semana de trabalho, de estudo…
Ao longo dos dias da semana que se segue, procurar rezar e meditar algumas
frases da Palavra de Deus: “Temos a esperança em Deus de que Ele nos
ressuscitará”…; “Escutai, Senhor, a minha oração, feita com sinceridade”…; “O
Senhor dirija os vossos corações, para que amem a Deus e aguardem a Cristo com
perseverança”…; “Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele
todos estão vivos”… Procurar transformar as palavras de Deus em atitudes e em
gestos de verdadeiro encontro com Deus e com os próximos que formos encontrando
nos caminhos percorridos da vida…
Feitos para a vida… Anunciar que o nosso Deus não é o Deus dos mortos, mas dos
vivos (Evangelho) não está reservado para os momentos dos funerais! Esta bela
afirmação da nossa fé merece estar mais presente no nosso testemunho…
Perguntemo-nos se já tivemos ocasião de o dizer… E se não, porquê?
UNIDOS PELA PALAVRA DE
DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR,
VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P.
Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa
dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10
– 1800-129 LISBOA – Portugal
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