14º Domingo do Tempo Comum - Ano B
4 Julho 2021
14º Domingo do Tempo Comum - Ano B
Tema do 14º Domingo do Tempo Comum
A liturgia deste domingo revela que Deus
chama, continuamente, pessoas para serem testemunhas no mundo do seu projecto
de salvação. Não interessa se essas pessoas são frágeis e limitadas; a força de
Deus revela-se através da fraqueza e da fragilidade desses instrumentos humanos
que Deus escolhe e envia.
A primeira leitura apresenta-nos um extracto do relato da vocação de Ezequiel.
A vocação profética é aí apresentada como uma iniciativa de Jahwéh, que chama
um "filho de homem" (isto é, um homem "normal", com os seus
limites e fragilidades) para ser, no meio do seu Povo, a voz de Deus.
Na segunda leitura, Paulo assegura aos cristãos de Corinto (recorrendo ao seu
exemplo pessoal) que Deus actua e manifesta o seu poder no mundo através de
instrumentos débeis, finitos e limitados. Na acção do apóstolo - ser humano,
vivendo na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade -
manifesta-se ao mundo e aos homens a força e a vida de Deus.
O Evangelho, ao mostrar como Jesus foi recebido pelos seus conterrâneos em
Nazaré, reafirma uma ideia que aparece também nas outras duas leituras deste
domingo: Deus manifesta-Se aos homens na fraqueza e na fragilidade. Quando os
homens se recusam a entender esta realidade, facilmente perdem a oportunidade
de descobrir o Deus que vem ao seu encontro e de acolher os desafios que Deus
lhes apresenta.
LEITURA I - Ez 2,2-5
Leitura da Profecia de Ezequiel
Naqueles dias,
o Espírito entrou em mim e fez-me levantar.
Ouvi então Alguém que me dizia:
«Filho do homem,
Eu te envio aos filhos de Israel,
a um povo rebelde que se revoltou contra Mim.
Eles e seus pais ofenderam-Me até ao dia de hoje.
É a esses filhos de cabeça dura e coração obstinado
que te envio, para lhes dizeres:
'Eis o que diz o Senhor'.
Podem escutar-te ou não
– porque são uma casa de rebeldes -,
mas saberão que há um profeta no meio deles».
AMBIENTE
Ezequiel, o "profeta da
esperança", exerceu o seu ministério na Babilónia no meio dos exilados
judeus. O profeta fez parte dessa primeira leva de exilados que, em 597 a.C.,
Nabucodonosor deportou para a Babilónia.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu entre 593 a.C. (data do seu
chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (data em que Jerusalém foi
conquistada uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor e uma nova leva de
exilados foi encaminhada para a Babilónia). Nesta fase, o profeta preocupou-se
em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos de que o exílio
terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua terra) e em
denunciar a multiplicação das infidelidades a Jahwéh por parte desses membros
do Povo judeu que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em Jerusalém.
A segunda fase do ministério de Ezequiel desenrolou-se a partir de 586 a.C. e
prolongou-se até cerca de 570 a.C.. Instalados numa terra estrangeira, privados
de Templo, de sacerdócio e de culto, os exilados estavam desiludidos e
duvidavam de Jahwéh e do compromisso que Deus tinha assumido com o seu Povo.
Nessa fase, Ezequiel procurou alimentar a esperança dos exilados e transmitir
ao Povo a certeza de que o Deus salvador e libertador não tinha abandonado nem
esquecido o seu Povo.
O texto que nos é proposto hoje como primeira leitura faz parte do relato da
vocação de Ezequiel (cf. Ez 1,1-3,27). Depois de descrever a manifestação de
Deus, num quadro que apresenta todas as características especiais das teofanias
(cf. Ez 1,1-28), o profeta apresenta um discurso no qual Jahwéh define a missão
que lhe vai confiar (cf. Ez 2,1-3,15). O episódio é situado "no quinto ano
do cativeiro do rei Joaquin", "na Caldeia, nas margens do rio
Cabar" (Ez 1,2).
Seria um erro interpretar este relato como informação biográfica... Trata-se,
antes, de mostrar - com a linguagem da época e utilizando os processos típicos
da literatura da época - que o profeta recebeu uma missão de Deus e que fala e
actua em nome de Deus.
MENSAGEM
O nosso texto apresenta alguns dos
elementos típicos dos relatos de vocação e que fazem parte de qualquer história
de vocação.
Sugere-se, em primeiro lugar, que a vocação profética é um desígnio divino. Não
se nomeia Jahwéh directamente; mas aquele que chama Ezequiel não pode ser outro
senão Deus... O nosso texto é antecedido (cf. Ez 1,1-28) de uma solene
manifestação de Deus. Depois, o profeta ouve uma "voz" que o chama
(vers. 2) e que revela a Ezequiel que deve dirigir-se a esse Povo rebelde que
se insurgiu contra Deus. Há também uma referência ao "espírito" que
se apossou do profeta e o fez "levantar"; de acordo com a reflexão
judaica, era Deus que comunicava uma força divina - o seu "espírito"
- àqueles que escolhia para enviar a salvar o seu Povo, como os juízes (cf. Jz
14,6.19; 15,14), os reis (cf. 1 Sam 10,6.10; 16,13) e os profetas (no caso de
Ezequiel, esse "espírito" aparece como uma manifestação especialmente
violenta de Deus, que se apossa do profeta e o destina para o seu serviço). A
vocação é sempre uma iniciativa de Deus e não uma escolha do homem. Foi Deus
que chamou Ezequiel e que o designou para o seu serviço.
Em segundo lugar, aparece a ideia de que o chamamento é dirigido a um homem.
Ezequiel é chamado "filho de homem" (vers. 3) - expressão hebraica
que significa simplesmente "homem ligado à terra, fraco e mortal. Deus
chama homens frágeis e limitados, não seres extraordinários, etéreos, dotados de
capacidades incomuns... O que é decisivo não são as qualidades extraordinárias
do profeta, mas o chamamento de Deus e a missão que Deus lhe confia. A
indignidade e a limitação, típicas do "filho do homem", não são
impeditivas para a missão: a eleição divina dá ao profeta autoridade, apesar
dos seus limites bem humanos.
Em terceiro lugar, temos a definição da missão. Ezequiel, o profeta, é enviado
a um Povo rebelde, que continuamente se afasta dos caminhos de Jahwéh. A sua
missão é apresentar a esse Povo as propostas de Deus. O mais importante não é
que as palavras do profeta sejam ou não escutadas; o que é importante é que o
profeta seja, no meio do Povo, a voz que indica os caminhos de Deus (vers.
4-5).
A vida de Ezequiel realizou integralmente o projecto de Deus. Chamado por
Jahwéh, ele foi, no meio do Povo exilado na Babilónia, uma voz humana através
da qual Deus apresentou ao seu Povo o caminho para a vida plena e verdadeira. É
essa a missão do profeta.
ACTUALIZAÇÃO
• Os "profetas" não são um
grupo humano extinto há muitos séculos, mas são uma realidade com que Deus
continua a contar para intervir no mundo e para recriar a história. Quem são,
hoje, os profetas? Onde estão eles?
• No Baptismo, fomos ungidos como
profetas, à imagem de Cristo. Cada um de nós tem a sua história de vocação
profética: de muitas formas Deus entra na nossa vida, desafia-nos para a
missão, pede uma resposta positiva à sua proposta. Temos consciência de que
Deus nos chama - às vezes de formas bem banais - à missão profética? Estamos
atentos aos sinais que Ele semeia na nossa vida e através dos quais Ele nos
diz, dia a dia, o que quer de nós? Temos a noção de que somos a
"boca" através da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?
• O profeta é o homem que vive de olhos
postos em Deus e de olhos postos no mundo (numa mão a Bíblia, na outra o jornal
diário). Vivendo em comunhão com Deus e intuindo o projecto que Ele tem para o
mundo, e confrontando esse projecto com a realidade humana, o profeta percebe a
distância que vai do sonho de Deus à realidade dos homens. É aí que ele
intervém, em nome de Deus, para denunciar, para avisar, para corrigir. Somos
estas pessoas, simultaneamente em comunhão com Deus e atentas às realidades que
desfeiam o nosso mundo? Em concreto, em que situações sou chamado, no dia a
dia, a exercer a minha vocação profética?
• A denúncia profética implica, tantas
vezes, a perseguição, o sofrimento, a marginalização e, em tantos casos, a
própria morte (Óscar Romero, Luther King, Gandhi...). Como lidamos com a
injustiça e com tudo aquilo que rouba a dignidade dos homens? O medo, o
comodismo, a preguiça, alguma vez nos impediram de ser profetas?
• É preciso ter consciência, também, que
as nossas limitações e indignidades muito humanas não podem servir de desculpa
para realizar a missão que Deus quer confiar-nos: se Ele nos pede um serviço,
dar-nos-á também a força para superar os nossos limites e para cumprir o que
nos pede. As fragilidades que fazem parte da nossa humanidade não podem, em
nenhuma circunstância, servir de desculpa para não cumprirmos a nossa missão
profética no meio dos nossos irmãos.
SALMO RESPONSORIAL - Salmo 122 (123)
Refrão: Os nossos olhos estão postos no
Senhor,
até que Se compadeça de nós.
Levanto os olhos para Vós,
para Vós que habitais no Céu,
como os olhos do servo
se fixam nas mãos do seu senhor.
Como os olhos da serva
se fixam nas mãos da sua senhora,
assim os nossos olhos se voltam para o Senhor nosso Deus,
até que tenha piedade de nós.
Piedade, Senhor, tende piedade de nós,
porque estamos saturados de desprezo.
A nossa alma está saturada do sarcasmo dos arrogantes
e do desprezo dos soberbos.
LEITURA II - 2Cor 12,7-10
Leitura da Segunda Epístola do apóstolo
São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Para que a grandeza das revelações não me ensoberbeça,
foi-me deixado um espinho na carne,
– um anjo de Satanás que me esbofeteia –
para que não me orgulhe.
Por três vezes roguei ao Senhor que o apartasse de mim.
Mas Ele disse-me: «Basta-te a minha graça,
porque é na fraqueza que se manifesta todo o meu poder».
Por isso, de boa vontade me gloriarei das minhas fraquezas,
para que habite em mim o poder de Cristo.
Alegro-me nas minhas fraquezas,
nas afrontas, nas adversidades,
nas perseguições e nas angústias sofridas por amor de Cristo,
porque, quando sou fraco, então é que sou forte.
AMBIENTE
A Segunda Carta de Paulo aos Coríntios
espelha uma época de relações conturbadas entre Paulo e os cristãos de Corinto.
As críticas de Paulo a alguns membros da comunidade que levavam uma vida pouco
consentânea com os valores cristãos (Primeira Carta aos Coríntios) provocaram
uma reacção extremada e uma campanha organizada no sentido de desacreditar
Paulo. Essa campanha foi instigada por certos missionários itinerantes
procedentes das comunidades cristãs da Palestina, que se consideravam representantes
dos Doze e que minimizavam o trabalho apostólico de Paulo. Entre outras coisas,
esses missionários afirmavam que Paulo era inferior aos outros apóstolos, por
não ter convivido com Jesus e que a catequese apresentada por Paulo não estava
em consonância com a doutrina da Igreja. Paulo, informado de tudo, dirigiu-se
apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus
detractores. Depois, bastante magoado, retirou-se para Éfeso. Tito, amigo de
Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de tentar
a reconciliação.
Paulo, entretanto, deixou Éfeso e foi para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito,
regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o
diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com
Paulo.
Reconfortado, Paulo escreveu uma tranquila apologia do seu apostolado, à qual
juntou um apelo em favor de uma colecta para os pobres da Igreja de Jerusalém.
Esse texto é a nossa Segunda Carta de Paulo aos Coríntios. Estamos no ano 56 ou
57.
O texto que nos é proposto integra a terceira parte da carta (cf. 2 Cor
10,1-13,10). Aí Paulo, num estilo apaixonado, às vezes cáustico, mas sempre
levado pela exigência da verdade e da fé, defende a autenticidade do seu
ministério frente a esses "super-apóstolos" que o acusavam.
Como apóstolo, Paulo não se sente inferior a ninguém e muito menos aos seus
detractores. Estes orgulhavam-se das suas credenciais e afirmavam por toda a
parte os seus dons carismáticos... Paulo, se quisesse entrar no mesmo jogo,
podia orgulhar-se de muitas coisas, nomeadamente das revelações que recebeu e
das suas experiências místicas (cf. 2 Cor 12,1-4); mas ele quer apenas que o
vejam como um homem frágil e vulnerável, a quem Deus chamou e a quem enviou para
dar testemunho de Jesus Cristo no meio dos homens.
MENSAGEM
Assumindo essa condição de debilidade e
de vulnerabilidade, Paulo fala aos Coríntios de uma limitação que transporta no
seu corpo, um "anjo de Satanás" que lhe recorda continuamente a sua
finitude e fragilidade (vers. 7). De que é que se trata, em concreto? Não o
sabemos. Provavelmente, trata-se de uma doença física crónica (em Gal 4,13-14
Paulo fala de uma grave enfermidade física, que fez com que o corpo do apóstolo
fosse, para os Gálatas, "uma provação"; mas nada garante que essa
enfermidade física esteja relacionada com este "anjo de Satanás" de
que ele fala aos Coríntios). O facto de Paulo chamar a essa limitação que o
apoquenta um "anjo de Satanás" deve ter a ver com o facto de a
mentalidade judaica ligar as enfermidades aos "espíritos maus". De
acordo com outra interpretação, esse "espinho na carne" que é um
"anjo de Satanás" poderia referir-se também aos obstáculos que
Satanás põe a Paulo no que diz respeito ao anúncio do Evangelho.
Em todo o caso, o problema pessoal de Paulo mostra como a finitude e a
fragilidade não são determinantes para a missão; o que é determinante é a graça
de Deus... Com a graça de Deus, Paulo tudo pode, apesar da sua debilidade. Deus
não eliminou o problema, apesar dos insistentes pedidos de Paulo; mas é Ele que
dá a Paulo a força para continuar a sua missão, apesar dos limites que esse
"espinho na carne" lhe impõe. Na verdade, o problema pessoal de que
Paulo sofre dá testemunho de que Deus actua e manifesta o seu poder no mundo
através de instrumentos débeis, finitos e limitados. No apóstolo - ser humano,
vivendo na condição de finitude, de vulnerabilidade, de debilidade -
manifesta-se ao mundo e aos homens a força de Deus e de Cristo.
ACTUALIZAÇÃO
• O caso pessoal de Paulo diz-nos muito
sobre os métodos de Deus... Para vir ao encontro dos homens e para lhes
apresentar a sua proposta de salvação, Deus não utiliza métodos espectaculares,
poderosos, majestosos, que se impõem de forma avassaladora e que deixam uma
marca de estupefacção e de espanto na memória dos povos; mas, quase sempre,
Deus utiliza a fraqueza, a debilidade, a fragilidade, a simplicidade para nos
dar a conhecer os seus caminhos. Nós, homens e mulheres do séc. XXI,
deixamo-nos, facilmente, impressionar pelos grandes gestos, pelos cenários
magnificentes, pelas roupagens sumptuosas, por tudo o que aparece envolvido num
halo cintilante de riqueza, de prestígio social, de poder, de beleza; e, por
outro lado, temos mais dificuldade em reparar naquilo que se apresenta pobre,
humilde, simples, frágil, débil... A Palavra de Deus que hoje nos é proposta
garante-nos que é na fraqueza que se revela a força de Deus. Precisamos de
aprender a ver o mundo, os homens e as coisas com os olhos de Deus e a
descobrir esse Deus que, na debilidade, na simplicidade, na pobreza, na fragilidade,
vem ao nosso encontro e nos indica os caminhos da vida.
• A consciência de que as suas
qualidades e defeitos não são determinantes para o sucesso da missão, pois o
que é importante é a graça de Deus, deve levar o "profeta" a
despir-se de qualquer sentimento de orgulho ou de auto-suficiência. O
"profeta" deve sentir-se, apenas, um instrumento humano, frágil,
débil e limitado, através do qual a força e a graça de Deus agem no mundo.
Quando o "profeta" tem consciência desta realidade, percebe como são
despropositadas e sem sentido quaisquer atitudes de vedetismo ou de busca de
protagonismo, no cumprimento da missão... A missão do "profeta" não é
atrair sobre si próprio as luzes da ribalta, as câmaras da televisão ou o olhar
das multidões; a missão do "profeta" é servir de veículo humano à
proposta libertadora de Deus para os homens.
• Como pano de fundo do nosso texto,
está a polémica de Paulo com alguns cristãos que não o aceitavam. Ao longo de
todo o seu percurso missionário, Paulo teve de lidar frequentemente com a
incompreensão; e, muitas vezes, essa incompreensão veio até dos próprios irmãos
na fé e dos membros dessas comunidades a quem Paulo tinha levado, com muito
esforço, o anúncio libertador de Jesus. No entanto, a incompreensão nunca
abalou a decisão e o entusiasmo de Paulo no anúncio da Boa Nova de Jesus... Ele
sentia que Deus o tinha chamado a uma missão e que era preciso levar essa
missão até ao fim, doesse a quem doesse... Frequentemente, temos de lidar com
realidades semelhantes. Todos experimentámos já momentos de incompreensão e de
oposição (que, muitas vezes, vêm do interior da nossa própria comunidade e que,
por isso, magoam mais). É nessas alturas que o exemplo de Paulo deve brilhar
diante dos nossos olhos e ajudar-nos a vencer o desânimo e a tentação de
desistir.
• Neste texto de Paulo (como, aliás, em
quase todos os textos do apóstolo), transparece a atitude de vida de um cristão
para quem Cristo é, verdadeiramente, o centro da própria existência e que só
vive em função de Cristo... Nada mais lhe interessa senão anunciar as propostas
de Cristo e dar testemunho da graça salvadora de Cristo. Que lugar ocupa Cristo
na minha vida? Que lugar ocupa Cristo nos meus projectos, nas minhas decisões,
nas minhas opções, nas minhas atitudes?
ALELUIA - cf. Lc 4,18
Aleluia. Aleluia.
O Espírito do Senhor está sobre mim:
Ele me enviou a anunciar o Evangelho aos pobres.
EVANGELHO - Mc 6,1-6
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Marcos
Naquele tempo,
Jesus dirigiu-Se à sua terra
e os discípulos acompanharam-n'O.
Quando chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga.
Os numerosos ouvintes estavam admirados e diziam:
«De onde Lhe vem tudo isto?
Que sabedoria é esta que Lhe foi dada
e os prodigiosos milagres feitos por suas mãos?
Não é ele o carpinteiro, Filho de Maria,
e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão?
E não estão as suas irmãs aqui entre nós?»
E ficavam perplexos a seu respeito.
Jesus disse-lhes:
«Um profeta só é desprezado na sua terra,
entre os seus parentes e em sua casa».
E não podia ali fazer qualquer milagre;
apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos.
Estava admirado com a falta de fé daquela gente.
E percorria as aldeias dos arredores, ensinando.
AMBIENTE
O Evangelho de hoje fala-nos de uma
visita à "terra" de Jesus. De acordo com Mc 1,9, a "terra"
de Jesus era Nazaré, uma pequena vila da Galileia situada a 22 Km a oeste do
Lago de Tiberíades. Esta povoação tipicamente agrícola nunca teve grande
importância no universo na história do judaísmo... O Antigo Testamento ignora-a
completamente; Flávio Josefo e os escritores rabínicos também não lhe fazem
qualquer referência. Os contemporâneos de Jesus parecem conceder-lhe escassa
consideração (cf. Jo 1,46). Nazaré é, no entanto, a cidade onde Jesus cresceu e
onde reside a sua família.
A cena principal que nos é relatada por Marcos passa-se na sinagoga de Nazaré,
num sábado. Jesus, como qualquer outro membro da comunidade judaica, foi à
sinagoga para participar no ofício sinagogal; e, fazendo uso do direito que
todo o israelita adulto tinha, leu e comentou as Escrituras.
O episódio que nos é proposto integra a primeira parte do Evangelho segundo
Marcos (cf. Mc 1,14-8,30). Aí, Jesus é apresentado como o Messias que proclama,
por toda a Galileia, o Reino de Deus. Na secção que vai de 3,7 a 6,6, contudo,
Marcos refere-se especialmente à reacção do Povo face à proclamação de Jesus...
À medida que o "caminho do Reino" vai avançando, vão-se multiplicando
as oposições e incompreensões face ao projecto que Jesus anuncia. O nosso texto
deve ser entendido neste ambiente.
MENSAGEM
Os ensinamentos de Jesus na sinagoga,
naquele sábado, deixam impressionados os habitantes de Nazaré, como já tinham
deixado impressionados os fiéis da sinagoga de Cafarnaum (cf. Mc 1,21-28). No
entanto, os de Cafarnaum, depois de ouvir Jesus, reconheceram a sua autoridade
mais do que divina (e que, segundo eles, era diferente da autoridade dos
doutores da Lei); os de Nazaré vão chegar a conclusões distintas.
Depois de escutarem Jesus, na sinagoga, os seus conterrâneos traduzem a sua
perplexidade através de várias perguntas... Duas das questões postas dizem
respeito à origem e à qualidade dos ensinamentos de Jesus ("de onde lhe
vem tudo isto? Que sabedoria é esta que lhe foi dada?" - vers. 2); uma
outra questão refere-se à qualificação das acções de Jesus ("e os
prodigiosos milagres feitos por suas mãos?" - vers. 2).
Numa espécie de contraponto à impressão que Jesus lhes deixou, eles recordam o
seu ofício e a "normalidade" da sua família (vers. 3a)... Para eles,
Jesus é "o carpinteiro": não é um "rabbi", nunca estudou as
Escrituras com nenhum mestre conceituado e não tem qualificações para dizer as
coisas que diz. Por outro lado, eles conhecem a identidade da família de Jesus
e não descobrem nela nada de extraordinário: Ele é o "filho de Maria"
e os seus irmãos e irmãs são gente "normal", que toda a gente conhece
em Nazaré e que nunca revelaram qualidades excepcionais. Portanto, parece claro
que o papel assumido por Jesus e as acções que Ele realizou são humanamente
inexplicáveis.
A questão seguinte (que, no entanto, não aparece explicitamente formulada) é
esta: estas capacidades extraordinárias que Jesus revela (e que não vêm
certamente dos conhecimentos adquiridos no contacto com famosos mestres, nem do
ambiente familiar) vêm de Deus ou do diabo? Desde o primeiro momento, os
comentários dos habitantes de Nazaré deixam transparecer uma atitude negativa e
um tom depreciativo na análise de Jesus. Nem sequer se referem a Jesus pelo
próprio nome, mas usam sempre um pronome para falar d'Ele (Jesus é
"este" ou "ele" - vers. 2-3). Depois, chamam-Lhe
depreciativamente "o filho de Maria" (o costume era o filho ser
conhecido em referência ao pai e não à mãe). Como cenário de fundo do
pensamento dos habitantes de Nazaré está provavelmente a acusação feita a Jesus
algum tempo antes pelos "doutores da Lei que haviam descido de Jerusalém e
que afirmavam: «Ele tem Belzebu! É pelo chefe dos demónios que ele expulsa os
demónios»" (Mc 3,22). Marcos conclui que os habitantes de Nazaré ficaram
"escandalizados" (vers. 3b) com Jesus (o verbo grego
"scandalidzô", aqui utilizado, significa muito mais do que o
"ficar perplexo" das nossas traduções: significa "ofender",
"magoar", "ferir susceptibilidades"). Há na vila uma
espécie de indignação porque Jesus, apesar de ter sido desautorizado pelos
mestres reconhecidos do judaísmo, continua a desenvolver a sua actividade à
margem da instituição judaica. Ele põe em causa a religião tradicional, quando
ensina coisas diferentes e de forma diferente dos mestres reconhecidos.
Conclusão: Ele está fora da instituição judaica; o seu ensinamento não pode,
portanto, vir de Deus, mas do diabo. Os conterrâneos de Jesus não conseguem
reconhecer a presença de Deus naquilo que Jesus diz e faz.
Jesus responde aos seus concidadãos (vers. 4) citando um conhecido provérbio,
mas que Ele modifica, em parte (o original devia soar mais ou menos assim:
"nenhum profeta é respeitado no seu lugar de origem, nenhum médico faz
curas entre os seus conhecidos"). Nessa resposta, Jesus assume-Se como
profeta - isto é, como um enviado de Deus, que actua em nome de Deus e que tem
uma mensagem de Deus para oferecer aos homens. Os ensinamentos que Jesus propõe
não vêm dos mestres judaicos, mas do próprio Deus; a vida que Ele oferece é a
vida plena e verdadeira que Deus quer propor aos homens.
A recusa generalizada da proposta que Jesus traz coloca-o na linha dos grandes
profetas de Israel. O Povo teve sempre dificuldade em reconhecer o Deus que
vinha ao seu encontro na palavra e nos gestos proféticos. O facto de as
propostas apresentadas por Jesus serem rejeitadas pelos líderes, pelo povo da
sua terra, pelos seus "irmãos e irmãs" e até pelos da sua casa não
invalida, portanto, a sua verdade e a sua procedência divina.
Porque é que Jesus "não podia ali fazer qualquer milagre" (vers. 5)?
Deus oferece aos homens, através de Jesus, perspectivas de vida nova e
eterna... No entanto, os homens são livres; se eles se mantêm fechados nos seus
esquemas e preconceitos egoístas e rejeitam a vida que Deus lhes oferece, Jesus
não pode fazer nada. Marcos observa, apesar de tudo, que Jesus "curou
alguns doentes impondo-lhes as mãos". Provavelmente, estes
"doentes" são aqueles que manifestam uma certa abertura a Jesus mas
que, de qualquer forma, não têm a coragem de cortar radicalmente com os
mecanismos religiosos do judaísmo para descobrir a novidade radical do Reino
que Jesus anuncia.
Marcos nota ainda a "surpresa" de Jesus pela falta de fé dos seus
concidadãos (vers. 6a). Esperava-se que, confrontados com a proposta nova de
liberdade e de vida plena que Jesus apresenta, os seus interlocutores
renunciassem à escravidão para abraçar com entusiasmo a nova realidade... No
entanto, eles estão de tal forma acomodados e instalados, que preferem a vida
velha da escravidão à novidade libertadora de Jesus.
Este facto decepcionante não impede, contudo, que Jesus continue a propor a Boa
Nova do Reino a todos os homens (vers. 6b). Deus oferece, sem interrupção, a
sua vida; ao homem resta acolher ou não esse oferecimento.
ACTUALIZAÇÃO
• O texto do Evangelho repete uma ideia
que aparece também nas outras duas leituras deste domingo: Deus manifesta-Se
aos homens na fraqueza e na fragilidade. Normalmente, Ele não se manifesta na
força, no poder, nas qualidades que o mundo acha brilhantes e que os homens
admiram e endeusam; mas, muitas vezes, Ele vem ao nosso encontro na fraqueza,
na simplicidade, na debilidade, na pobreza, nas situações mais simples e
banais, nas pessoas mais humildes e despretensiosas... É preciso que
interiorizemos a lógica de Deus, para que não percamos a oportunidade de O
encontrar, de perceber os seus desafios, de acolher a proposta de vida que Ele
nos faz...
• Um dos elementos questionantes no
episódio que o Evangelho deste domingo nos propõe é a atitude de fechamento a
Deus e aos seus desafios, assumida pelos habitantes de Nazaré. Comodamente
instalados nas suas certezas e preconceitos, eles decidiram que sabiam tudo
sobre Deus e que Deus não podia estar no humilde carpinteiro que eles conheciam
bem... Esperavam um Deus forte e majestoso, que se havia de impor de forma
estrondosa, e assombrar os inimigos com a sua força; e Jesus não se encaixava
nesse perfil. Preferiram renunciar a Deus, do que à imagem que d'Ele tinham
construído. Há aqui um convite a não nos fecharmos nos nossos preconceitos e
esquemas mentais bem definidos e arrumados, e a purificarmos continuamente, em
diálogo com os irmãos que partilham a mesma fé, na escuta da Palavra revelada e
na oração, a nossa perspectiva acerca de Deus.
• Para os habitantes de Nazaré Jesus era
apenas "o carpinteiro" da terra, que nunca tinha estudado com grandes
mestres e que tinha uma família conhecida de todos, que não se distinguia em
nada das outras famílias que habitavam na vila; por isso, não estavam dispostos
a conceder que esse Jesus - perfeitamente conhecido, julgado e catalogado -
lhes trouxesse qualquer coisa de novo e de diferente... Isto deve fazer-nos
pensar nos preconceitos com que, por vezes, abordamos os nossos irmãos, os
julgamos, os catalogamos e etiquetamos... Seremos sempre justos na forma como
julgamos os outros? Por vezes, os nossos preconceitos não nos impedirão de
acolher o irmão e a riqueza que Ele nos traz?
• Jesus assume-Se como um profeta, isto
é, alguém a quem Deus confiou uma missão e que testemunha no meio dos seus
irmãos as propostas de Deus. A nossa identificação com Jesus faz de nós
continuadores da missão que o Pai Lhe confiou. Sentimo-nos, como Jesus,
profetas a quem Deus chamou e a quem enviou ao mundo para testemunharem a
proposta libertadora que Deus quer oferecer a todos os homens? Nas nossas
palavras e gestos ecoa, em cada momento, a proposta de salvação que Deus quer
fazer a todos os homens?
• Apesar da incompreensão dos seus
concidadãos, Jesus continuou, em absoluta fidelidade aos planos do Pai, a dar
testemunho no meio dos homens do Reino de Deus. Rejeitado em Nazaré, Ele foi,
como diz o nosso texto, percorrer as aldeias dos arredores, ensinando a
dinâmica do Reino. O testemunho que Deus nos chama a dar cumpre-se, muitas
vezes, no meio das incompreensões e oposições... Frequentemente, os discípulos
de Jesus sentem-se desanimados e frustrados porque o seu testemunho não é
entendido nem acolhido (nunca aconteceu pensarmos, depois de um trabalho
esgotante e exigente, que estivemos a perder tempo?)... A atitude de Jesus
convida-nos a nunca desanimar nem desistir: Deus tem os seus projectos e sabe
como transformar um fracasso num êxito.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de "Signes d'aujourd'hui")
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA
SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 14º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo... Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa... Aproveitar, sobretudo, a semana para
viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Os ouvintes estão admirados, chocados... Como poderia Jesus fazer milagres
quando se punha em dúvida as suas palavras de profeta e os seus actos de
salvador? Com efeito, os seus conterrâneos olham-n'O apenas com os olhos de
carne, só vêem n'Ele o filho do carpinteiro com quem tinham jogado, trabalhado,
escutado a lei na sinagoga... Não reconhecem n'Ele o enviado de Deus.
Falta-lhes o olhar da fé para ler no seu ensino a mensagem de Deus e nos seus
milagres sinais do Todo-Poderoso. E quanto a nós, como está o nosso olhar de
fé, ao vermos Jesus e os seus sinais de salvação?
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
Testemunho profético... Afinal, o que é um profeta? A ideia mais espalhada é
que é alguém que prevê e anuncia o futuro. Esses profetas não faltam hoje...
Ora, como Ezequiel, o verdadeiro profeta está habitado, em primeiro lugar, pelo
Espírito Santo, para ser em seguida enviado aos seus irmãos em humanidade e
lhes anunciar a Palavra de Deus. Mas não se trata de uma missão de descanso! A
Palavra de Deus inquieta sempre, porque convida os homens a descentrarem-se de
si mesmos. Ezequiel é enviado a um povo de rebeldes, que têm o rosto duro e o
coração obstinado. Nestas circunstâncias, não é fácil fazer-se ouvir. A missão
do profeta não é prazer. Jesus fez a experiência... Basta ver a atitude dos seus
conterrâneos... A própria família tinha tentado impedi-lo de falar. Ora, pelo
nosso baptismo e confirmação, todos somos chamados a ser profetas, a
deixarmo-nos habitar pelo Espírito, pela Palavra de Deus, para nos tornarmos
arautos e testemunhas onde vivemos. O Concílio Vaticano II, recuperando esta
missão profética dos baptizados, declara que estes últimos recebem todos o
sentido da fé e a graça da palavra, a fim de que brilhe na sua vida quotidiana
a força do Evangelho. Os cristãos não devem esconder este testemunho e esta
palavra no segredo do seu coração, mas devem exprimi-lo também através das
estruturas da vida do mundo. Há que tomar a sério esta missão profética!
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE...
A cada um o seu chamamento... Cada um de nós pode reflectir qual é o chamamento
pessoal do Senhor, à volta de três palavras: vocação - graça - dificuldades.
Qual é a minha vocação, a que é que Deus me chama, aonde me envia? Como se
manifesta em mim a sua graça? Quais as dificuldades que encontro, como as ultrapassar?
Viveremos então, no recomeço do ano, um novo início de caminhada.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 - 1800-129 LISBOA - Portugal
Tel. 218540900 - Fax: 218540909
portugal@dehonianos.org - www.dehonianos.org
Obrigado Senhor, obrigado Dehonianos!!!
ResponderExcluirVamos sim está em orações José Salviano.
ResponderExcluirEu, Jair Ferreira da Cidade de Cruz das Almas, na Bahia da Diocese Nossa Senhora do Bom Sucesso, leio e reflito sobre as leituras diária dessa equipe(José Salviano, Helena Serpa, Olívia Coutinho, Dehoniamos, Jorge Lorente, Vera Lúcia, Maria de Lourdes Cury Macedo) colocando em prática no meu dia-dia, obrigado a todos que doaram um pouco do seu tempo para evangelizar, catequizar e edificar o reino de Deus, que o Senhor Jesus Cristo e Nossa Mãe Maria Santíssima continue iluminando a todos. Abraços fraternos.