Segunda-feira, 14 de Setembro de 2015
Juizes 2,11-19: O Senhor suscitava juízes
Salmo 77: Não esqueçam as obras de Deus
João 3,13-17: O Filho do Homem vai ser
levantado do sol
13Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu
do céu, o Filho do Homem que está no céu.14Como Moisés levantou a serpente no
deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem,15para que todo homem que
nele crer tenha a vida eterna.16Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que
lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a
vida eterna.17Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para condená-lo, mas para
que o mundo seja salvo por ele.
Comentário
Estamos na
festa da “Exaltação” da Santa Cruz. É um sinal que identifica mundialmente o
cristianismo, como a meia lua identifica o Islamismo ou a estrela de seis
pontas, formada por dois triângulos equiláteros, que identifica o judaísmo. Na
mentalidade mágica, a cruz teve na história quase tanto valor como o Cristo,
que nela foi crucificado. “O sinal da cruz” foi espantalho para o demônio,
afastou maldições, “persignando” a todos os devotos, foi traçada milhões de
vezes no ar, derramando graças e bênçãos.
Na religiosidade popular, Cristo foi sobretudo
o sofredor, o condenado, açoitado, crucificado, homem das dores, morto entre
sofrimentos insuportáveis. A cruz foi o sinal da dor, tanto de Cristo como da
dor universal. Para os cristãos, o sofrimento de Cristo tem referência
universal.
A inevitável dimensão dolorista da cruz, faz
com que sua “exaltação” não deixe de implicar problemas. Alguns agentes de
pastoral, com frequência, querem esquecê-los, não fazer referência a eles,
olhando para outra parte, falando de outra coisa. Nem sempre este método
evasivo é o melhor serviço que se pode fazer ao povo cristão. Cremos que é
melhor enfrentar os problemas, dando-lhes nomes e limites. É o que procuramos
fazer. O primeiro grande perigo é própria “exaltação” da cruz, pela qual se
exalta o sofrimento pelo sofrimento, como se tivesse um valor cristão por si
mesmo. Ainda se conserva uma imagem de Deus dolorista e amante do sofrimento,
que parece alegrar-se quando vê o sofrimento das pessoas, ou que somente
concede sua graça ou sua benevolência a troco de sofrimento. Muitas promessas
da religiosidade popular são feitas sobre esse esquema: eu me sacrifico,
ofereço a Deus uma dor e como pagamento recebo uma recompensa de Deus pelo
favor solicitado. Este Deus ante o qual vale o sofrimento não é um Deus
cristão; a exaltação de uma cruz que inclui uma imagem de Deus assim não seria
uma exaltação cristã.
É um grave problema essa teologia que ainda
está aí, segundo a qual Deus enviou seu Filho ao mundo para sofrer, e sofrer
horrorosamente, porque Ele seria o único capaz de oferecer uma reparação
infinita à dignidade ofendida pelo ser humano em um “pecado original” (mais
teológico que histórico)... Sem fundamento real no evangelho, esta teologia
apareceu com a passagem dos primeiros séculos, e foi Santo Anselmo de
Canterbury (século XI) quem lhe deu a configuração com a qual chegou até nossos
dias nos livros de catequese infantil. É a visão clássica da “redenção”, a
morte de Jesus na cruz redentora, que “paga” com seu sofrimento ao Pai para que
este restabeleça a boa ordem de suas relações com a Humanidade.
Unida a esta teologia está a imagem do
“sacrifício” de Cristo na Cruz. Uma teologia que ao mesmo tempo evidencia uma
imagem de Deus difícil de aceitar, mas que ainda figura nos documentos
oficiais... Celebrar a Exaltação da Santa Cruz sem abordar estes problemas pode
ser mais cômodo, porém precisamos privilegiar o mais sincero, mais proveitoso e
mais pedagógico. A cruz de Cristo não deveria ser utilizada como símbolo de
tudo aquilo que em nossa vida humana representa limitação estrutural ou
finitude natural. A dimensão natural da vida humana (as cruzes da vida) nada
tem a ver com a cruz de Cristo, que nada tem de “natural”, mas que tem tudo a
ver com a história. Na cruz de Cristo, se não queremos cair em mistificações,
não entram as dificuldades e limitações humanas, nem as nossas: enfermidades,
limitações, acidentes nem a má sorte. Isso não é a cruz de Cristo, e sim
avatares e peculiaridades da vida humana que se deve saber levar e superar com
graça e boa vontade. A cruz de Cristo não foi um “desígnio de Deus”, mas um
desígnio muito humano. Jesus, por sua parte, tampouco buscou a cruz: “Afasta de
mim este cálice” e nunca deverá ser buscada, por si mesma, por parte de seus
discípulos. Aquela expressão “Ave Crux, Spes única!” (Salve, Cruz, única
esperança) do adágio clássico, é preciso cautela na forma de suá-la e de
entendê-la. Nem Deus, nem Cristo “amam a Cruz”, nem nós devemos “amá-la”, mas,
ao contrário, devemos combatê-la. A tarefa do cristão, como a de Jesus, é
combater a cruz, libertar do sofrimento o ser humano, “fazer todo o bem que
está ao nosso alcance”. Claro que, ao lutar contra a cruz, ocorre que se
levanta a animosidade dos que estão interessados egoisticamente nos mecanismos
de opressão, pessoas e estruturas que impõem uma cruz sobre quem luta para
libertar dela o ser humano. Outro adágio moderno e correto diz: “Busque a
verdade, a cruz já a tens por herança”. Não devemos buscar a cruz, mas também
não podemos fugir dela na busca pela verdade e na luta pela justiça.
Definitivamente, o que necessitamos exaltar
não é a cruz, mas a coragem de Jesus, que optou pelo Reino e pelo amor sem
temer a cruz que viria como consequência. A exaltação da fidelidade de Jesus à
causa do reino é o verdadeiro conteúdo dessa festa. Algumas pessoas se assustam
quando se fazem releituras críticas. Parece uma atitude negativista. Preferem
que se fale somente do positivo e que o demais fique esquecido, como superado.
Não compartilhamos dessa opinião. Estamos em um momento de transição teológica,
uma transição lenta por causa dessa falta de sentido crítico na teologia e na
homilia. Se os pregadores assumissem como tarefa habitual a análise crítica de
todo o pensamento que ainda se alastra o cristianismo, teríamos condição de
dialogar melhor com o mundo atual. Por outro lado, toda renovação do pensamento
e da vida necessita de um momento de “desconstrução” sem o qual,
frequentemente, não é possível uma verdadeira renovação.
Oração
Deus, nosso Pai, ajuda-nos a conquistar o dom
de saber encontrar o sentido profundo de nossa missão cristã, para que nos
comprometamos com tudo o que implica fidelidade a teu projeto na sociedade e
construamos teu reino. Por Cristo, nosso Senhor.
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