sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Foi tentado por Satanás e os anjos o serviam-Claretianos

Domingo, 22 de Fevereiro de 2015
Primeiro Domingo da Quaresma
Cátedra de Pedro, Leonora

Gênesis 9,8-15: Colocarei meu arco-íris no céu como sinal de minha aliança com a terra
Salmo 24: Senhor, mostra-nos os teus caminhos
1Pedro 3,18-22: A agua é um símbolo do batismo que os salva
Marcos 1,12-15: Foi tentado por Satanás e os anjos o serviam.

12 E logo o Espírito o impeliu para o deserto. 13 Aí esteve quarenta dias. Foi tentado pelo demônio e esteve em companhia dos animais selvagens. E os anjos o serviam. 14 Depois que João foi preso, Jesus dirigiu-se para a Galileia. Pregava o Evangelho de Deus, e dizia: 15 "Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo; fazei penitência e crede no Evangelho."

COMENTÁRIO

A primeira leitura, Gênesis 9, contém a “aliança de Deus com Noé”. A aliança famosa, a mais importante, terá lugar mais tarde, a aliança com Abraão. A aliança com Noé pertence a um segundo plano da “economia da salvação”. Nunca mais haverá dilúvio para destruir a terra, é a promessa de Deus a Noé (Gn 9,11). E esta promessa vai acompanhada de um memorial: o arco-íris, sinal do novo pacto entre Deus e a humanidade. O medo do “dilúvio” foi quebrado! Agora temos uma nova aliança a partir de uma alternativa de vida para todos os seres viventes. A arca que abrigava a família se transforma em uma grande casa acolhedora da vida onde o cuidado com os animais se destaca de uma maneira especial (Gn 9,1-7). É a casa da vida que coloca o ser humano em comunhão com a terra, com a natureza e com o cosmos.
O rio Jordão, o deserto e a Galileia são como que um mesmo “fio condutor” de um deslocamento fundamental que dá início ao evangelho de Marcos. Aí percebemos o movimento do reino de Deus que nos convida a nos mobilizarmos em busca de nossos próprios “lugares do Reino” onde se concretizam e desenvolvem nossas opções pela vida, pela significação das pessoas e das comunidades.
O rio Jordão evoca grandes e significativos feitos da história de Israel. O mais importante, sem dúvida, quando Josué e o grupo do deserto atravessam o rio para entrar na terra prometida (Josué 3-4). Relato das origens daquele projeto de vida igualitária revelado por Deus aos escravos fugitivos do Egito. A partir desta memória primordial, João Batista convoca o povo em torno de uma nova esperança messiânica. Aí Jesus também se aproxima, buscando “as águas de João”.
O deserto é muito frequentemente mediação de discernimento, formação e amadurecimento no projeto de Deus. Jesus é levado pelo Espírito ao deserto, lugar por excelência onde Israel aprendeu a ser povo. Sujeito e projeto reunidos ao redor de uma memória do êxodo, dando início ao evangelho de Jesus.
Galileia é o lugar onde Jesus concretiza sua opção de humanidade e de humanização. Esta geografia é para Jesus o espaço vital do Reino. É um mar, uma terra e um povo aberto às nações do entorno. As fronteiras se “cruzam” dando lugar à inclusão à diversidade em múltiplas “misturas”. Nesse ambiente amadurece e irrompe o kairós do reino de Deus. 
A passagem do Jordão ao deserto faz referência à articulação de movimentos messiânicos proféticos presentes nesses lugares, suas fontes de inspiração e de organização. O confronto com Satanás, como princípio cósmico do mal que Marcos vincula com a enfermidade, a marginalização e a morte dos pobres, será para Jesus a definição de sua vida pela causa do reino de Deus. O deserto deixa de ser lugar de prova e de penitência segundo a tradição judaica, para converter-se em lugar de aprendizagem definitiva no confronto e no desequilíbrio. O Espírito de Deus leva Jesus até a memória fundacional de Israel onde, vencendo a Satanás, a vida se transforma em fidelidade para com Deus e para com o ser humano. 
O simbolismo dos “quarenta” tem a ver com o trauma do novo nascimento. Os poderes da história foram confrontados: Jesus como princípio da humanidade libertada por /deus e Satanás, sinal e causa da morte no mundo. Nós nos encontramos frente ao relato de uma nova origem. Marcos reescreve a história levando-nos da água do batismo à reconstrução da humanidade, para dizer-nos que Jesus está aí apostando por uma opção de vida, dignidade e felicidade humana. Porém, Jesus não assume o combate solitariamente. Está junto com os animais e os anjos como que evocando um novo paraíso. O serviço angélico comunica esperança e salvação. Ao retomar o “paraíso” para reiniciar o caminho do humano, Jesus conta com forças naturais e angelicais (a terra e o céu) a seu favor. Jesus se encontra entre a tentação satânica e o serviço angélico. É um dilema que permanentemente enfrentaremos. Marcos evoca estes poderes como em um espelho para que possamos nos contemplar nele. Ele nos mostrou o que é tentar e servir, ele nos inseriu na “história original”. E na história concreta esses atores sobrenaturais desaparecem e é quando Jesus nos ensina a servir, servindo sua comunidade discipular. Obviamente, os quarenta dias do deserto não desaparecem. Duram todo o evangelho, toda a vida. São paradigma da contradição e do desequilíbrio que permanentemente atravessam a história. Na trama da vida humana viu-se introduzir e decidir a trama de pecado e de esperança de todos os viventes (incluídos os animais, os anjos e os demônios). Definitivamente a liturgia nos apresenta este evangelho do começo do ministério de Jesus por andar em paralelo com o começo da quaresma. A quaresma é a vida humana.
A unidade e a conversão ecológica urgente
A leitura deste domingo da oportunidade de introduzir o tema ecológico na liturgia, concretamente no tema da conversão. Se a mensagem deste primeiro domingo da quaresma é centrado na conversão, este texto nos possibilita incluir a dimensão ecológica nessa conversão hoje necessária.
É do conhecimento de todos que as três formas de religiosidade monoteístas, “as religiões do livro”, possuem pouca sensibilidade ecológica. Mais ainda: a dimensão cultural da exploração inescrupulosa da natureza, vista como mero objeto, como matéria para devorar ou explorar, coisificada, objetivada com mera dispensa de recursos à nossa disposição, não foi uma invenção humana alheia ao religioso, mas que se apóia literalmente nas palavras do Gênesis 1,26. E tudo isso pelo “antropocentrismo”, um erro de perspectiva do qual a Bíblia não nos libertou, mas que confirmou, que somos o centro da realidade e do cosmos (o ser humano como medida de todas as coisas).
Um conceito novo, que especifica bem o “antropocentrismo” é o do “especismo”: concretamente é resultado da crença de que somos a última espécie, somos uns recém vindos ao mundo e nos convertemos em uma autêntica força geológica, e nos consideramos o estatuto biológico e filosófico inferior.
A “aliança com Noé” é um pacto com o qual, segundo a tradição recolhida no Gênesis, Deus quer comprometer-se com toda a humanidade e todo ser vivo, motivo pelo qual não enviará nenhum novo dilúvio que destrua o ser humano nem a vida sobre a face da terra. O arco-íris será uma lembrança para Deus, do o Gênesis 9,13.
Hoje é necessário outro pacto ecológico, uma aliança de paz do ser humano com a natureza, para deixar de agredi-la e de destruí-la, para passar a uma atitude de cuidado e de responsabilidade.
É preciso superar a postura tradicional de “concordismo bíblico”, pelo qual pensamos que tudo que é bom que descobrimos ou amadurecendo… já estava previamente na Bíblia, ainda que tivéssemos passado vinte séculos sem percebê-lo… A dimensão ecológica que hoje estamos descobrindo não está na Bíblia. Mas na bíblia estão os fundamentos das atitudes que hoje nos parecem ecologicamente irresponsáveis, ou até mesmo anti-ecológicas. A bíblia foi escrita em uma época sem perspectiva ecológica e por isso é uqe na liturgia e no ano litúrgico está tão ausente a ecologia. É necessário “forçar” adequadamente a situação para introduzir o tema, pela sua própria urgência.
Neste momento, aumentar a consciência da responsabilidade ecológica da humanidade, sobretudo
Sobretudo frente à urgência de evitar o “ponto de não retorno” que se aproxima perigosamente, segundo todos os cálculos, como um dos deveres máximos do cristão e de todo ser humano simples e consciente. Se a humanidade não toma urgentemente uma nova atitude, periga sua própria sobrevivência. E ainda que mudemos amanhã mesmo, os destroços que causamos vai no planeta e vão se tornar irreversíveis e vamos pagar caro por isso, durante muito tempo. É importante que a conversão de que nos fala a quaresma inclui a conversão ecológica. Por que não orientar ecologicamente este ano toda a quaresma.

Oração: Ó Deus, Pai nosso: ao começar esta Quaresma nós te pedimos que nos ajudes a empenhar-nos em uma autêntica conversão de nossos corações e nossa vida pessoal e comunitária, ao mesmo tempo que nos esforçamos por transformar nossa família, nossa sociedade, o mundo. Nós te pedimos em nome de Jesus, teu Filho, nosso irmão. Amém.


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