Comentários Prof.Fernando*
3ºdom. Quaresma (=preparação p/Páscoa) 28 de fevereiro 2015
Ele perdoa, cura, salva. Ele é indulgente,
paciente, bondoso e compassivo (cf. salmo102/103)
1) Se sofrem é porque merecem
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Todo dia de manhã os jornais estampam já na primeira página, desastres e
tragédias. A lista de desgraças continua em outros momentos do dia, por ex. nos
telejornais em vários horários e até de madrugada. O mais triste, porém, é que
nós, seres humanos ainda somos muito primitivos e pouco civilizados. Em geral
nossa tendência é achar que a guerra lá longe ou assaltos seguidos de morte aqui
perto da esquina provavelmente vieram para castigar as pessoas. A ideia de um
Deus que anota em seu caderninho tudo o que os humanos fazem, para depois
premiá-los ou castigá-los, continua instalada ao menos nas profundezas do
inconsciente.
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Junto com o castigo, presumidamente decretado pelo Criador, ou como
consequência desta heresia, temos igualmente a tendência (talvez por medo de
que venha nos atingir) de atribuir a tragédia ocorrida com os outros aos
pecados... deles. No fundo eles foram imprudentes, imprevidentes, temerários,
quem sabe. Pior: afinal de contas até que mereciam ser castigados...
2) Soterrados: foram castigados por
seus pecados...
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Foi exatamente contra tal mentalidade que lutou em sua pregação o Mestre
de Nazaré (ver o texto lido hoje: Lucas13,1-9). Não encontramos resposta para o
sofrimento causado por terremotos, doenças, acidentes e muitas outras situações
humanas. Também no tempo de Jesus eram recentes dois acontecimentos que chocaram:
uma revolta dos guerrilheiros nacionalistas galileus tinha sido sufocada por
ordem de Pôncio Pilatos, representante do império romano e suas forças de
ocupação na Palestina; outro episódio triste fora o desmoronamento de uma torre
de pedra em Jerusalém, causando a morte de 18 cidadãos.
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Diante destes acontecimentos recentes Jesus lança a sua reclamação: “Vocês pensam que tais galileus foram mais
pecadores do que todos os galileus pelas coisas que sofreram? Pois eu digo, se
vocês não mudarem o modo de pensar [umas traduções trazem: “se não se
converterem”; outras: “se não se arrependerem”] vão perecer todos do mesmo modo. Ou vocês pensam que aqueles 18 sobre
os quais caiu a torre de Silé e os matou, eram mais devedores [pecadores,
um aramaísmo conhecido] do que todos os
demais habitantes de Jerusalém? Não! Eu digo: se não mudarem a mentalidade
vocês vão perecer do mesmo modo”. Como comenta J.Vitório, doutor em exegese
bíblica: “Certos cristãos iludem-se, quando pensam
que a conversão é necessária para os outros, ao passo que eles mesmos se julgam
dispensados dela. (...) comparam-se com as outras, descobrindo nelas defeitos e
pecados”.
3 Viva e deixe viver!!!
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Em 2014 numa entrevista a Pablo Calvo (da revista dominical argentina Viva – jornal El Clarín, 27/7/14) o bem humorado Francisco indica um decálogo
para ser feliz, começando por um ditado que soa, em dialeto romanesco (ou
romanaccio) Campa e lassa campa que
ele assim explica: “Aqui os romanos têm esse provérbio popular que podemos usar
no sentido de Vá em frente e deixe os outros
fazerem o mesmo”. E conclui com sua própria fórmula: “Viva e deixe viver – é o primeiro
passo da paz e felicidade”. O Mestre de Nazaré quis dizer algo semelhante em
relação à “conversão” (ou “mudança de mentalidade” no sentido literal do
texto): não julgue os outros, mas procure você encontrar o próprio caminho!
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Em tempos de radicalização, por crises, escândalos e sofrimentos no
país, o cronista (cf. O Globo 16.1.15 caderno 2ºcaderno,pag.8) A. Bloch escreve
uma sátira na qual vê todos os brasileiros divididos entre “coxinhas e
petralhas” tendo a nação chegado ao máximo de sua evolução histórica cujo
objetivo “não é o de comunicar (...) gerar uma troca de informações que resulte
em algum tipo de evolução, de invenção, entendimento ou partilha inteligente de
dados. O objetivo, ao contrário, é o de desaprender. Qualquer sinal de
complexidade, qualquer conteúdo capaz de gerar dúvida sobre o que quer que
seja, é uma séria ameaça a este outro tipo de entendimento que garante a coesão
entre essas duas facções: o entendimento de que é proibido entender”.
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Em tempos de Quaresma, cujo finalidade é preparar a festa da Vida e da
Liberdade (Páscoa). Mudando o rumo se faz “Conversão”, “Arrependimento”, “Metánoia (=mudança de mentalidade”). Converter-se
é “voltar-se para outro lado” acertando o rumo. Se existe uma tendência
natural, ainda que seu objetivo seja nos proteger, isolando-nos no próprio
grupo (de raça, religião, ideologia, partido ou torcida organizada, etc.), será bem melhor superá-la. Sobretudo quando se dá
uma justificativa religiosa para nos acharmos melhores que os outros, viramos
fundamentalistas. O fundamentalismo só admite as próprias interpretações e gera
autocompreensão: sentimo-nos “os justos” (como dizia o fariseu, “não sou como os outros”).
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