quinta-feira, 26 de março de 2015

DOMINGO DE PÁSCOA-Vicente Ferrer

DOMINGO, 05 DE ABRIL DE 2015
DOMINGO DE PÁSCOA
Vicente Ferrer

Atos 10,34a.37-43: Comemos e bebemos com ele depois da ressurreição
 Salmo 117: Este é o dia do Senhor fez para nós: seja nossa alegria e nosso gozo
Colossenses 3,1-4: Busquem os bens do alto onde está Cristo
João 20,1-9: Ele devia ressuscitar dentre os mortos.
1 No primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro. Viu a pedra removida do sepulcro. 2 Correu e foi dizer a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram! 3 Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro. 4 Corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. 5 Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou. 6 Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão. 7 Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte. 8 Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e creu. 9 Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos.

COMENTÁRIO

No primeiro dia que se seguia ao sábado, Maria Madalena foi ao sepulcro, de manhã cedo, quando ainda estava escuro. Viu a pedra removida do sepulcro. Correu e foi dizer a Simão Pedro e ao outro discípulo a quem Jesus amava: Tiraram o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram! Saiu então Pedro com aquele outro discípulo, e foram ao sepulcro. Corriam juntos, mas aquele outro discípulo correu mais depressa do que Pedro e chegou primeiro ao sepulcro. Inclinou-se e viu ali os panos no chão, mas não entrou. Chegou Simão Pedro que o seguia, entrou no sepulcro e viu os panos postos no chão. Viu também o sudário que estivera sobre a cabeça de Jesus. Não estava, porém, com os panos, mas enrolado num lugar à parte. Então entrou também o discípulo que havia chegado primeiro ao sepulcro. Viu e creu. Em verdade, ainda não haviam entendido a Escritura, segundo a qual Jesus devia ressuscitar dentre os mortos.
A) Primeiro comentário
Para este domingo de Páscoa a liturgia nos oferece como primeira leitura um dos discursos de Pedro, uma vez transformado pela força de Pentecostes: aquele que pronunciou em do centurião Cornélio, a propósito do consumo de alimentos puros e impuros, o que estava em íntima relação com o tema do anúncio do Evangelho aos não judeus e de seu ingresso à nascente comunidade cristã. O discurso de Pedro é um resumo da proclamação típica do Evangelho que contém os elementos essenciais da história da salvação e das promessas de Deus cumpridas em Jesus. Pedro e os demais apóstolos pregam a morte de Jesus pelas mãos dos judeus, porém, também sua ressurreição por obra do Pai, porque “Deus estava com ele”. De modo que a morte e ressurreição de Jesus são a via de acesso de todos os homens e mulheres, judeus e não judeus à grande família surgida da fé em sua pessoa como Filho e Enviado de Deus, e como Salvador universal; uma família onde não há exclusões de nenhum tipo. Esse é um dos principais sinais da ressurreição de Jesus e o meio mais efetivo para comprovar ao mundo que ele se mantém vivo na comunidade.
Uma comunidade, um povo, uma sociedade onde há excluídos ou marginalizados, onde o rigor das leis divide e separa uns de outros, é a antítese do efeito primordial da ressurreição; e em muito maior medida em se tratando de uma comunidade ou de um povo que diz chamar-se cristão.
O evangelho de João apresenta Maria Madalena madrugando para ir ao sepulcro de Jesus. “Contudo estava escuro”, sublinha o evangelista. É preciso ter em conta este detalhe porque João gosta de usa esses símbolos em contraste: luz-trevas, mundo-espírito, verdade-falsidade, etc. Maria, pois, permanece às escuras; não experimentou ainda a realidade da ressurreição. Ao ver que a pedra com eu haviam tapado o sepulcro tinha sido retirada, não entra, como o fazem as mulheres no relato lucano, mas que volta para buscar a Pedro e o “outro discípulo”. Ela permanece submissa à figura masculina; sua reação natural é deixar que sejam eles quem vê e comprovem e que depois digam, eles mesmos, o que viram. Este é outro contraste com o relato lucano. Porém, inclusive entre Pedro e o outro discípulo que Jesus “amava muito”, existe no relato de João uma certa rejeição de tipo hierárquico: em que pese que o “outro discípulo” correu mais, devia ser Pedro, o de maior idade, quem deveria entrar por primeiro e olhar. Efetivamente, na tumba somente estão as amarras e o sudário; o corpo de Jesus desaparece. Vendo isto creram, entenderam que a escritura dizia que ele tinha que ressuscitar e partiram para comunicar tão transcendental noticia aos demais discípulos. A estrutura simbólica do relato fica perfeitamente construída.
A ação transformadora mais palpável da ressurreição de Jesus foi a partir de então sua capacidade de transformar o interior dos discípulos – antes desagregados, egoístas, divididos e atemorizados – para voltar a convoca-los ou reunidos em torno da causa do Evangelho e enchê-los do seu espírito de perdão.
A pequena comunidade dos discípulos, não somente havia sido dissolvida pela falta de justiça contra Jesus, mas também pelo medo de seus inimigos e pela insegurança que deixa em um grupo a traição de um de seus integrantes.
Os corações de todos estavam feridos. À hora da verdade, todos eram dignos de reprovação: ninguém havia entendido corretamente a proposta do Mestre. Por isso, quem não havia traído o havia abandonado à própria sorte. E se todos eram dignos de reprovação, todos estavam necessitados de perdão. Voltar a dar coesão à comunidade de seguidores, dar-lhes unidade interna no perdão mútuo, na solidariedade, na fraternidade e na igualdade, era humanamente impossível. Contudo, a presença e a força interior do ressuscitado conseguiu reunir novamente o grupo.
Quando os discípulos desta primeira comunidade sentem interiormente esta presença transformadora de Jesus e quando a comunhão é quando realmente experimental sua ressurreição. E é então quando já não precisam mais das provas exteriores da mesma. O conteúdo simbólico dos relatos do ressuscitado atuante que apresentam à comunidade, revela o processo renovador que opera o ressuscitado no interior das pessoas e do grupo.
Magnífico exemplo do que o efeito da ressurreição pode produzir também hoje em nós, no âmbito pessoal e comunitário. A capacidade do perdão; da reconciliação conosco mesmos, como naquele punhado de homens tristes, covardes e dispersos a que o milagre da ressurreição transformou.
B) SEGUNDO ESQUEMA – O RESSUSCITADO E O CRUCIFICADO
Como em outros anos, incluímos aqui um segundo esquema de homilia, nitidamente na linha da espiritualidade latino-americana da libertação, que intitulamos “O Ressuscitado é o Crucificado”.
O que não é a ressurreição de Jesus
Costuma-se dizer teologicamente que a ressurreição de Jesus não é um fato “histórico”, com isto não se quer dizer que seja um fato irreal, mas que sua realidade está mais além do físico. A ressurreição de Jesus não é um fato realmente que possa ser registrado pela história: ninguém teria a possibilidade de fotografar a ressurreição. Objeto de nossa fé, a ressurreição de Jesus é mais que um fenômeno físico. De fato, os evangelhos não narram a ressurreição: ninguém a viu. As testemunhas falam a partir de suas experiências de crentes: sentem que o ressuscitado “está vivo”, porém não são testemunhas do fato mesmo da ressurreição.
A ressurreição de Jesus não tem semelhança alguma com o “reavivamento” de Lázaro. Jesus não voltou a esta vida nem aconteceu a reanimação de um cadáver (de fato, em teoria, não teríamos problema em acreditar na ressurreição de Jesus ainda que seu cadáver houvesse ficado entre nós, porque o corpo ressuscitado não é, sem mais, o cadáver). A ressurreição (tanto de Jesus quanto a nossa) não é uma volta para trás, mas um passo adiante, um passo para outra forma de vida, a vida de Deus.
Importa realçar este aspecto para que nos demos conta de que nossa fé na ressurreição não é a adesão a um “mito” como ocorre em tantas religiões, que possuem seus mitos de ressurreição. Nossa afirmação da ressurreição não tem por objetivo um fato físico, mas uma verdade de fé com um sentido mais profundo, que é o que queremos desenvolver.
A “boa notícia” da ressurreição foi conflitiva
Uma primeira leitura de Atos provoca estranheza: por que a notícia da ressurreição suscitou a ira e a perseguição por parte dos judeus? Notícias de ressurreição não eram tão infrequentes naquele mundo religioso. Não deveria ofender a ninguém a notícia de que alguém tivesse tido a sorte de ser ressuscitado por Deus. Contudo, a ressurreição de Jesus foi recebida com uma gravidade extrema por parte das autoridades judaicas. Faz pensar no forte contraste com a situação atual: hoje ninguém se irrita ao escutar essa notícia. A ressurreição de Jesus hoje provoca indiferença? Por que esta indiferença? Será que não anunciamos a mesma ressurreição? Ou não anunciamos a mesma coisa no anúncio da ressurreição de Jesus?
Lendo mais atentamente o livro de Atos, percebe-se que o anúncio mesmo que faziam os apóstolos tinha um ar polêmico: anunciavam a ressurreição “desse Jesus a quem vocês crucificaram”. Isto é, não anunciavam a ressurreição em abstrato, como se a ressurreição de Jesus fosse simplesmente a afirmação do prolongamento da vida depois da morte. Tampouco estavam anunciando a ressurreição de alguém qualquer, como se o que importante fosse simplesmente que um ser humano, qualquer que fosse, havia transpassado as portas da morte.
O crucificado e o ressuscitado
Os apóstolos anunciavam uma ressurreição muito concreta: a daquele homem chamado Jesus, a quem as autoridades civis e religiosas haviam rejeitado, excomungado e condenado. Quando Jesus foi atacado pelas autoridades, ficou só. Seus discípulos o abandonaram, e Deus mesmo guardou silencio como se estivesse de acordo. Tudo parecia concluir com a crucificação.
Porém, aí ocorreu algo. Uma experiência nova e poderosa se lhes impôs: sentiram que estava vivo. Foram invadidos por uma certeza estranha: que Deus confirmava a missão de Jesus e se empenhava em reivindicar seu nome e sua honra. “Jesus está vivo; não puderam vencê-lo com a morte. Deus o ressuscitou, sentou-o à sua direita, confirmando a veracidade e o valor de sua vida, de sua palavra, de sua Causa. Jesus tinha razão e não as autoridades que o expulsaram deste mundo e desprezaram sua Causa. Deus está do lado de Jesus, Deus respalda a Causa do Crucificado. O crucificado ressuscitou e vive!
E foi isto que verdadeiramente irritou as autoridades judaicas: Jesus deixou-as irritadas estando vivo e, igualmente, estando ressuscitado. Também a elas, o que as irritava não era o fato físico mesmo de uma ressurreição, que um ser humano morra ou ressuscite; o que não podiam tolerar era pensar que a Causa de Jesus, seu projeto, sua utopia, que já haviam considerado tão perigosa em vida e que já acreditavam enterrada, voltasse e se colocasse novamente em pé, isto é, que houvesse ressuscitado. E não podiam aceitar que Deus estivesse se comprometendo por aquele crucificado, condenado e excomungado. Eles acreditavam em outro Deus.
Crer com a fé de Jesus
Porém, os discípulos que redescobriram em Jesus o rosto de Deus (como o Deus de Jesus) compreenderam que Jesus era o Filho, o Senhor, a Verdade, o Caminho, a Vida, o Alfa, o Ômega. A morte não tinha nenhum poder sobre ele. Estava vivo. Havia ressuscitado. E não podiam senão confessá-lo e “segui-lo”, “aderindo à sua Causa”, obedecendo a Deus antes que aos homens, ainda que custasse a vida.
Trata-se de crer que a ressurreição não é para eles a afirmação de um fato físico-histórico, que aconteceu ou não, nem uma verdade teórica abstrata (a vida pós-morte), mas a afirmação contundente da validez suprema da Causa de Jesus, à altura mesma de Deus (à direita de Deus Pai), pela qual é necessário viver e lutar até a doação da própria vida.
E se nossa fé reproduz realmente a fé de Jesus (sua visão da vida, sua opção diante da história, sua atitude diante dos pobres... ), será tão conflitiva como o foi na pregação dos apóstolos ou na vida mesma de Jesus.
Se, no entanto, reduzimos a ressurreição de Jesus a um símbolo universal da vida pós-morte, ou à simples afirmação de uma vida para além da morte, ou a um fato físico-histórico que ocorreu há vinte séculos... então essa ressurreição fica esvaziada do conteúdo que teve em Jesus e já não diz nada a ninguém, nem irrita os poderes deste mundo, mas chega até a desmotivar ou desmobilizar o seguimento e o compromisso pala Causa de Jesus.
O importante não é crer em Jesus, mas crer como Jesus. Não é ter fé em Jesus, mas ter a fé de Jesus: sua atitude diante da história, sua opção pelos pobres, sua proposta, sua luta decidida, sua Causa...
Crer lucidamente em Jesus na América Latina, ou neste Continente “cristão”, onde a notícia de sua ressurreição já não irrita a tantos que invocam seu nome para justificar inclusive as atitudes contrarias às de Jesus, implica voltar a descobrir o Jesus histórico e o sentido da fé na ressurreição.
Crendo com essa fé de Jesus, as “coisas de cima” e as da terra não são já duas direções opostas, nem sequer distintas. As “coisas de cima” são da Terra Nova que está enxertada já aqui embaixo. É preciso fazê-la nascer no doloroso parto da História, sabendo que nunca será fruto adequado de nossa planificação, mas dom gratuito daquele que vem. Buscar as “coisas de cima” não é esperar passivamente que soe a hora escatológica (que já soou na ressurreição de Jesus), mas tornar realidade em nosso mundo o Reinado do Ressuscitado e sua Causa: Reino de vida, de Justiça, de Amor e de Paz.
Oração comunitária:
Ó Deus, origem e fonte de nossa vida, que nos enches de alegria por ocasião das festas da Páscoa, ajuda-nos. Renovados pela grande alegria experimentada pela comunidade, queremos trabalhar sempre para vencer a morte e fazer crescer a vida, até que a experimentemos em sua consumação plena. Por teu Filho Jesus, morto e ressuscitado. Amém.
Complementamos a reflexão com este soneto de Pedro Casaldáliga:
“Eu mesmo O verei”
E seremos nós, para sempre,
como és Tu o que foste, em nossa terra,
companheiro de todos os caminhos.
Seremos o que somos, para sempre,
porém gloriosamente restaurados,
como são tuas essas cinco chagas,
imprescritivelmente gloriosas.
Como Tu és o que foste, humano, irmão,
exatamente igual na tua morte,
Jesus, o mesmo e totalmente outro,
Assim seremos para sempre, exatos,
o que fomos, somos e seremos,
totalmente outros, porém, tão nós mesmos.


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