22/05/2016
Domingo da
Santíssima Trindade
TEMA
A Solenidade
que hoje celebrámos não é um convite a decifrar a
mistério que se esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas é um
convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que
criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
A primeira leitura sugere-nos a
contemplação do Deus criador. A sua bondade e o seu amor estão inscritos e
manifestam-se aos homens na beleza e na harmonia das obras criadas (Jesus
Cristo é “sabedoria” de Deus e o grande revelador do amor do Pai).
A segunda leitura convida-nos a
contemplar o Deus que nos ama e que, por isso, nos
“justifica”, de
forma gratuita e incondicional. É através
do Filho que os dons de
Deus/Pai se
derramam sobre nós e nos oferecem a vida em plenitude.
O Evangelho convoca-nos,
outra vez, para contemplar o amor do
Pai, que se manifesta na doação e na entrega do Filho e que
continua a acompanhar a nossa caminhada histórica através do
Espírito. A meta final desta “história de amor”
é a nossa inserção plena na comunhão com o Deus/amor, com o Deus/família,
com oDeus/comunidade.
LEITURA I
– Prov 8,22-31
Eis o que diz a
Sabedoria de Deus:
«O Senhor me
criou como primícias da sua actividade, antes das suas obras mais antigas.
Desde a
eternidade fui formada,
desde o
princípio, antes das origens da terra.
Antes de
existirem os abismos e de brotarem as fontes das águas, já eu tinha sido
concebida.
Antes de se
implantarem as montanhas e as colinas, já eu tinha nascido;
ainda o Senhor
não tinha feito a terra e os campos, nem os primeiros elementos do mundo.
Quando Ele
consolidava os céus, eu estava presente;
Quando traçava
sobre o abismo a linha do horizonte, quando condensava as nuvens nas alturas,
quando fortalecia
as fontes dos abismos,
quando impunha ao
mar os seus limites
para que as águas
não ultrapassassem o seu termo, quando lançava os fundamentos da terra,
eu estava a seu
lado como arquitecto, cheia de júbilo, dia após dia,
deleitando-me continuamente
na sua presença. Deleitava-me sobre a face da terra
e as minhas
delícias eram estar com os filhos dos homens».
AMBIENTE
O Livro
dos Provérbios apresenta uma colecção de
“ditos”, de “sentenças”, de “máximas”, de “provérbios”
(“mashal”), onde se cristaliza o resultado da reflexão e da experiência (“sabedoria”)
dos “sábios” antigos (israelitas e alguns não israelitas), empenhados em
definir as regras para viver bem, para ter êxito, para ser feliz. Alguns dos
materiais aí apresentados podem ser do séc. X a. C.; outros, no entanto, são
bem mais recentes.
O texto que nos é
hoje proposto faz parte de um bloco de “instruções” e “advertências”que vai
de 1,8 a 9,6. Trata-se da parte
mais recente do “Livro dos Provérbios”
(segundo os especialistas, não pode ser anterior ao séc. IV ou III a.
C.).
O capítulo
8 do “Livro dos Provérbios” (do qual é retirado o texto
que hoje nos éproposto) apresenta-nos um discurso posto na boca da
própria “sabedoria”, como se ela fosse uma pessoa:
trata-se de um artifício literário, através
do qual o autor pretende dar força e intensidade
dramática ao convite que ele lança no sentido de acolher e amar a
“sabedoria”. Na primeira parte desse discurso (vers. 1-11), o autor apresenta o
“púlpito” de onde a “sabedoria” vai discursar (o cume das montanhas, a encruzilhada
dos caminhos, as entradas das cidades, os umbrais das casas), os destinatários
da mensagem (todos os homens) e apela à escuta das palavras que ela vai
pronunciar; na segunda parte (vers. 12-21), o autor apresenta as “credenciais”
da “sabedoria” (ela possui a ciência, a reflexão, o
conselho, a equidade, a força) e o prémio reservado àqueles
que a acolhem; na terceira parte (vers. 8,22-31) – que é a que nos interessa
directamente – o autor reflecte sobre a origem da sabedoria e a sua função no
plano de Deus.
MENSAGEM
Em primeiro
lugar, diz-se que a “sabedoria” tem origem em Deus. O autor do texto põe na
boca da “sabedoria” a forma hebraica “qânâny” (“gerou-me”) para expressar a
responsabilidade de Deus na origem da “sabedoria” (vers. 22).
Afirma também que
ela é a primeira das obras de Deus. Antes de serem lançadas as estruturas do
cosmos, a “sabedoria” já existia (vers. 24-29); mais, ela estava lá, tendo um
papel interveniente na criação: no vers. 30, a “sabedoria” é
apresentada como “arquitecto” (“amon”), isto é, como assistente activo de
Deus na obra criadora (embora certas versões antigas leiam
como “amun” – “criança” – o que
sugere a ideia da “sabedoria” como uma “criança” feliz
que brinca e se deleita no meio da obra criada).Em terceiro lugar, a
“sabedoria” afirma que o seu interesse e deleite é estar “junto dos filhos dos
homens” (vers. 31): ela dirige-se aos homens e o seu objectivo é “ser para os
homens”. Ela desempenha, portanto, um papel em favor dos homens.
Qual é esse papel?
A perícopa está dominada por três palavras, que aparecem no princípio, no
meio e no fim: “Jahwéh” (vers. 22),
“sabedoria” (“eu” – vers. 30) e “homens”
(vers. 31). Esta “coluna vertebral” revela, desde já, o objectivo do autor do
texto: ao dizer que a “sabedoria” tem origem em Jahwéh, está em íntima relação
com Deus e se destina aos homens, está a sugerir-se que ela tem a capacidade de
pôr os homens em relação e contacto com Deus. Através dessa realidade criada
que a “sabedoria” viu nascer, ela espevita a inteligência dos homens, leva-os a
Deus, atrai- os para Deus. A “sabedoria”, presente desde sempre na criação,
revela aos homens a grandeza e o amor do Deus criador.
A tradição
judaica acabará por identificar esta “sabedoria” com a Torah (cf. Ba
3,38-4,1;Pirkê Rabbí Eliezer, III, 2). Por outro lado, os autores
neo-testamentários, conhecedores dos livros sapienciais, atribuirão
a Jesus algumas das características que este texto atribui à “sabedoria”:
Paulo chama a Jesus “sabedoria” e “sabedoria de Deus” (cf. 1 Cor 1,24.30);
considera também que Jesus, como a “sabedoria” de Prov 8, existe antes
de todas as coisas e desempenhou um papel privilegiado na criação do mundo (cf.
Col 1,16-17); por sua vez, o “prólogo” do Quarto Evangelho atribui ao “Lógos”/Jesus
os traços da “sabedoria” criadora de Prov 8 (diz que Jesus é anterior à criação
– cf. Jo 1,1) e que Ele deu existência a todas as obras criadas – cf. Jo 1,3).
Os Padres da
Igreja verão nesta “sabedoria”, pré-criada e anterior à restante obra deDeus, traços
de Jesus Cristo ou do Espírito Santo.
ACTUALIZAÇÃO
Ter em conta, na
reflexão, os seguintes desenvolvimentos:
♦ A referência
ao Deus que tudo criou para nós com sabedoria faz-nos pensar num Pai providente
e cuidadoso, que tem um projecto bem definido para os homens e para o mundo.
Contemplar a criação é descobrir, na beleza e na harmonia das obras
criadas, esse Pai cheio de bondade e de amor. Somos capazes de nos
sentirmos “provocados” pela criação de forma que, através dela, descubramos
o amor e a bondade de Deus?
♦ Olhando para
a obra de Deus, aprendemos que o homem não é um concorrente de Deus, nem Deus
um adversário do homem. Ao homem compete reconhecer o poder e a grandeza de
Deus e entregar-se, confiante, nas mãos desse Pai que tudo criou com
cuidado e que tudo nos entrega com amor. Entregamo-nos nas mãos d’Ele,
não como adversários, mas como crianças que confiam incondicionalmente no seu
pai?
♦O desenvolvimento
desordenado e a exploração descontrolada dos recursos da natureza põem em causa
a harmonia desse “mundo bom” que Deus criou e que nos confiou. Temos o direito
de pôr em causa, por egoísmo, a obra de Deus?
♦ A contemplação
da obra criada leva ao espanto e ao louvor. Somos capazes de nos extasiarmos
diante das coisas que Deus nos oferece e de deixarmos que a nossa admiração se
derrame em louvor e agradecimento?
SALMO RESPONSORIAL
– Salmo 8
Refrão: Como sois grande em toda a terra, Senhor,
nosso Deus!
Quando contemplo
os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que lá colocastes,
que é o homem
para que Vos lembreis dele, o filho do homem para dele Vos ocupardes?
Fizestes dele
quase um ser divino, de honra e glória o coroastes;
destes-lhes poder
sobre a obra das vossas mãos, tudo submetestes a seus pés:
Ovelhas e bois,
todos os rebanhos, e até os animais selvagens,
as aves do céu e
os peixes do mar, tudo o que se move nos oceanos.
LEITURA II
– Rom 5,1-5
Irmãos:
Tendo sido
justificados pela fé, estamos em paz com Deus,
por Nosso Senhor
Jesus Cristo,
pelo qual temos
acesso, na fé,
a esta graça em
que permanecemos e nos gloriamos, apoiados na esperança da glória de Deus.
Mais ainda,
gloriamo-nos nas nossas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz a
constância, a constância a virtude sólida,
a virtude sólida
a esperança. Ora a esperança não engana,
porque o amor de
Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.
AMBIENTE
Quando Paulo
escreve aos romanos, está a terminar a sua terceira viagem missionária e
prepara-se para partir para Jerusalém. Tinha terminado a sua missão no oriente
(cf. Rom 15,19-20) e queria levar o Evangelho ao ocidente. Sobretudo, Paulo
aproveita a carta para contactar a comunidade de Roma e apresentar aos romanos
e a todos os crentes os principais problemas que o ocupavam (entre os quais
sobressaía a questão da unidade – um problema bem
presente na comunidade de Roma, afectada
por alguma dificuldade de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos).
Estamos no ano 57 ou 58.
Paulo aproveita,
então, para sublinhar que o Evangelho é a força que congrega e quesalva todo
o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Depois de notar que todos os
homens vivem mergulhados no pecado (cf. Rom 1,18-3,20), Paulo acentua que é a
“justiça de Deus” que dá vida a todos sem distinção (cf. Rom 3,1-5,11). Neste
texto, que a segunda leitura de hoje nos propõe, Paulo refere-se à acção de
Deus, por Cristo e pelo Espírito, no sentido de “justificar” todo o homem.
MENSAGEM
Paulo parte da
ideia de que todos os crentes – judeus, gregos e romanos – foramjustificados pela
fé. Que significa isto?
Na linguagem
bíblica, a justiça é, mais do
que um conceito jurídico, um conceito
relacional. Define a fidelidade a si próprio, à sua maneira de ser e aos
compromissos assumidos no âmbito de uma relação. Ora, se Jahwéh Se manifestou
na história do seu Povo como o Deus da bondade, da misericórdia e do amor,
dizer que Deus é justo não significa dizer que Ele aplica os
mecanismos legais quando o homem infringe as regras; significa,
sim, que a bondade, a misericórdia, o amor, próprios do
“ser” de Deus, se manifestam em todas as circunstâncias, mesmo quando o homem
não foi correcto no seu proceder. Paulo, ao falar do homem justificado,
está a falar do homem pecador que, por exclusiva iniciativa do amor e da
misericórdia de Deus, recebe um veredicto de graça que o salva
do pecado e lhe dá, de modo totalmente gratuito, acesso
à salvação. Ao homem é pedido somente
que acolha, com humildade e confiança, uma graça
que não depende dos seus méritos e que se entregue completamente nas
mãos de Deus. Este homem, objecto da graça de Deus, é uma nova criatura (cf.
Gal 6,15): é o homem ressuscitado para a vida nova (cf. Rom 6,3-11), que
vive do Espírito (cf. Rom 8,9.14), que é filho de Deus e co-herdeiro com Cristo (cf.
Rom 8,17; Gal 4,6-7).
Quais os frutos
que resultam deste acesso à salvação que é um dom de Deus? Em primeiro lugar, a
paz (vers. 1). Esta paz não deve ser entendida em
sentido psicológico (tranquilidade, serenidade), mas no sentido teológico
semita de relação positiva com Deus e, portanto, de plenitude de bens, já que
Deus é a fonte de todo o bem.
Em segundo
lugar, a esperança (vers. 2-4). Trata-se
desse dom que nos permitesuperar as
dificuldades e a dureza da caminhada, apontando a um futuro glorioso de vida em
plenitude. Não se trata de alimentar um optimismo fácil e irresponsável, que
permita a evasão do presente; trata-se de encontrar
um sentido novo para a vida presente, na certeza de que
as forças da morte não terão a última palavra e que as forças da vida
triunfarão.
Em terceiro lugar, o amor de Deus ao homem (vers. 5-8). O cristão é,fundamentalmente, alguém
a quem Deus ama. Como prova desse amor que age em nós através do Espírito, está
Jesus de Nazaré a quem Deus “entregou à morte por nós quando ainda éramos
pecadores”.
Tudo aquilo que
enche a vida do crente, que lhe dá sentido, é um dom de Deus Paique, através
de Jesus, demonstra o seu amor e que, pelo Espírito, derrama continuamente esse
amor sobre nós.
ACTUALIZAÇÃO
Para a reflexão
da Palavra, considerar as seguintes coordenadas:
♦ Na Solenidade
da Santíssima Trindade, somos convidados a contemplar o amor de um Deus que
nunca desistiu dos homens e que sempre soube encontrar formas de vir ao nosso
encontro, de fazer caminho connosco. Apesar de os homens insistirem, tantas
vezes, no egoísmo, no orgulho, na auto-suficiência, no pecado, Deus
continua a amar e a fazer-nos propostas
de vida. Trata-se de um amor gratuito e
incondicional, que se traduz em dons não merecidos, mas que, uma vez acolhidos,
nos conduzem à felicidade plena.
♦ A vinda
de Jesus Cristo ao encontro dos homens é a expressão plena do amor de Deus e o
sinal de que Deus não nos abandonou nem esqueceu, mas quis até
partilhar connosco a precariedade e a fragilidade da
nossa existência para nos mostrar como nos tornarmos “filhos de
Deus” e herdeiros da vida em plenitude.
♦ A presença
do Espírito acentua no nosso tempo
– o tempo da Igreja – essa
realidade de um Deus que continua presente e actuante, derramando o seu amor ao
longo do caminho que dia a dia
vamos percorrendo e impelindo-nos à renovação, à
transformação, até chegarmos à vida plena do Homem Novo.
♦ Está em
moda uma certa atitude de indiferença face a Deus, ao seu amor e às suas
propostas. Em geral, os homens de
hoje preocupam-se mais com os resultados da
última jornada do campeonato de futebol, ou
com as últimas peripécias da “telenovela das nove” do que com
Deus ou com o seu amor. Não será tempo de redescobrirmos o Deus que nos ama, de
reconhecermos o seu empenho em conduzir-nos rumo à felicidade plena e de
aceitarmos essa proposta de caminho que Ele nos faz?
ALELUIA– cf. Ap 1,8
Aleluia. Aleluia.
Glória ao Pai e
ao Filho e ao Espírito Santo, ao Deus que é, que era e que há-de vir.
EVANGELHO –
Jo 16,12-15
Naquele tempo,
disse Jesus aos
seus discípulos:
«Tenho ainda
muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis compreender agora. Quando vier
o Espírito da verdade,
Ele vos guiará
para a verdade plena;
porque não falará
de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido
e vos anunciará o
que está para vir. Ele Me glorificará,
porque receberá
do que é meu e vo-lo anunciará.
Tudo o que o Pai
tem é meu.
Por isso vos
disse
que Ele receberá
do que é meu e vo-lo anunciará».
AMBIENTE
Estamos no
contexto da última ceia e do discurso de despedida que
antecede a “hora”de Jesus.
Depois de
constituir a comunidade do amor e do
serviço (cf. Jo 13,1-17) e de apresentar o
mandamento fundamental que deve dar corpo à vida dessa comunidade (cf. Jo
15,9-17), Jesus vai definir a missão da comunidade no mundo: testemunhar
acerca de Jesus, com a ajuda do Espírito (cf. Jo 15,26-27).
Jesus avisa,
no entanto, que o caminho do testemunho deparará
com a oposiçãodecidida da religião estabelecida e dos poderes
de morte que dominam o mundo (cf. Jo 16,1-4a); mas os discípulos contarão com o
Espírito: Ele ajudá-los-á e dar-lhes-á segurança no meio
da perseguição (cf. Jo 16,8-11). De
resto, a comunidade em marcha pela história
encontrar-se-á muitas vezes diante de circunstâncias históricas novas,
diante das quais terá de tomar
decisões práticas: também aí se verá
a presença do Espírito, que ajudará a responder aos novos desafios e a
interpretar as circunstâncias à luz da mensagem de Jesus (cf. Jo 16,12-15).
MENSAGEM
O tema
fundamental desta leitura tem, portanto, a ver com a ajuda do Espírito
aos discípulos em caminhada pelo mundo.
Jesus começa
por dizer aos discípulos que há muitas outras
coisas que eles não podem compreender de momento (vers.
12). Será o “Espírito da verdade” que guiará os discípulos para
a verdade, que comunicará tudo o que
ouvir a Jesus e que interpretará o que está para
vir (vers. 13). Isto significa que Jesus não revelou tudo o que havia para
revelar ou que a sua proposta de salvação/libertação ficou incompleta?
De forma nenhuma.
As palavras de Jesus acerca da acção do Espírito referem-se ao tempo da
existência cristã no mundo, ao tempo que vai desde a morte de Jesus até à
“parusia”. Como será possível aos discípulos, no tempo da Igreja,
continuar a captar, na fé, a Palavra de Jesus e a guiar a vida por ela? A
resposta de Jesus é: “pelo Espírito da verdade, que fará com que a minha
proposta continue a ecoar todos os dias na vida da
comunidade e no coração de cada crente;
além disso, o Espírito ensinar-vos-á a entender a nova
ordem que se segue à cruz e à ressurreição e a discernir, a
partir das circunstâncias concretas diante das quais a vida vos vai colocar,
como proceder para continuar fiel às minhas propostas”. O Espírito não
apresentará uma doutrina nova, mas fará com que a Palavra de Jesus seja sempre
a referência da comunidade em caminhada pelo mundo e que essa comunidade saiba
aplicar a cada circunstância nova que a vida apresentar, a proposta de Jesus.
Aonde irá
o Espírito buscar essa verdade que
vai transmitir continuamente aosdiscípulos? A
resposta é: ao próprio Jesus (“receberá do que é meu e vo-lo anunciará”– vers.
14). Assim, Jesus continuará em comunhão, em sintonia com os discípulos,
comunicando-lhes a sua vida e o seu amor. Tal é a função do Espírito: realizar
a comunhão entre Jesus e os discípulos em marcha pela história.
A última
expressão deste texto (vers. 15) sublinha a comunhão existente entre o Pai e o
Filho. Essa comunhão atesta a unidade entre o plano salvador do Pai, proposto
nas palavras de Jesus e tornado realidade na vida da Igreja, por acção do
Espírito.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar os
seguintes desenvolvimentos:
♦ O Espírito
aparece, aqui, como presença divina na
caminhada da comunidade cristã, como essa realidade que
potencia a fidelidade dinâmica dos crentes às propostas que o Pai, através de
Jesus, fez aos homens. A Igreja de que fazemos parte tem sabido estar atenta,
na sua caminhada histórica, às interpelações do Espírito? Ela tem procurado,
com a ajuda do Espírito, captar a Palavra eterna de Jesus e deixar-se guiar por
ela? Tem sabido, com a ajuda do Espírito, continuar em comunhão com
Jesus? Tem-se esforçado, com a ajuda
do Espírito, por responder às interpelações da história
e por actualizar, face aos novos desafios que o mundo lhe coloca, a proposta de
Jesus?
♦ Sobretudo, somos
convidados a contemplar o mistério de um Deus que é amor e que, através
do plano de salvação/libertação do Pai,
tornado realidade viva e humana em Jesus, e continuado
pelo Espírito presente na caminhada dos crentes, nos conduz para a vida plena
do amor e da felicidade total – a vida do Homem Novo, a vida da comunhão e do
amor em plenitude.
♦ A celebração
da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar
essa estranha charada de “um em três”. Mas deve ser, sobretudo, a contemplação
de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas
em Deus, como há três pessoas numa família – pai, mãe e filho – é afirmar três
deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito
são três formas de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo
rosto, é negar a distinção das três pessoas e é, também, negar a fé. A natureza
divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se
na nossa linguagem imperfeita das três
pessoas. O Deus família torna-se trindade de pessoas
distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa
linguagem finita e humana não consegue “dizer” o mistério de Deus.
♦ As nossas
comunidades cristãs são, realmente, a expressão desse Deus
que é amor e que é comunidade – onde
a unidade significa amor verdadeiro, que
respeita a identidade e a especificidade do outro, numa experiência verdadeira
de amor, de partilha, de família, de comunidade?
ALGUMAS SUGESTÕES
PRÁTICAS
PARA O
DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE
(adaptadas de
“Signes d’aujourd’hui”)
1. A
PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias
da semana anterior ao Domingo da Santíssima Trindade, procurar meditar a
Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar,
sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. DAR
LUGAR AO SILÊNCIO.
É sempre difícil
falar da Trindade, de explicá-la, de descrevê-la… Daí a importância de prever
algum (ou alguns) momento forte de interiorização e de adoração durante a
celebração: depois da homilia… depois da comunhão… Dar espaço ao silêncio para
que a Trindade ecoe em nós.
3. ORAÇÃO
NA LECTIO DIVINA.
Na meditação da
Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras
com a oração.
No final
da primeira leitura:
Deus eterno,
Pai e criador de todo o universo,
contemplamos o céu, a terra, os oceanos e
todas as suas maravilhas, onde vemos a obra admirável da tua Sabedoria. Por
todas as tuas obras, nós Te bendizemos.
Nós Te
confiamos as nossas inquietações quanto ao
futuro da tua criação e ao
equilíbrio da
natureza, que as nossas técnicas violentas já muito perturbaram.
No final
da segunda leitura:
Pai, nós
Te damos graças pelos dons incomparáveis
com que nos gratificaste: a justiça, a paz, a fé,
a esperança e, sobretudo, o teu amor, que derramaste nos nossos corações pelo
Espírito Santo que Tu nos deste.
Nós Te
pedimos pela unidade das Igrejas, outrora quebrada por
diferentes compreensões da justificação. Ilumina-nos com o teu Espírito.
No final
do Evangelho:
Deus fiel, Pai
revelado pelo teu Filho no teu Espírito, nós Te damos graças, porque nos
introduzes na comunhão da tua glória e na verdade do teu amor.
Nós Te pedimos:
Deus, Espírito de verdade, guia-nos para a verdade completa e dá-
nos a força de
levar as mensagens do Evangelho.
4. BILHETE
DE EVANGELHO.
O pintor crente
Roublev tentou mostrar, numa troca de olhares, a relação de amor que existe
entre o Pai, o Filho e o Espírito: quando o Pai e o Filho se olham, cada um
guarda a sua personalidade e revela ao mesmo tempo a personalidade
do outro, e esta relação de amor faz existir o Espírito
que olha o Pai e o Filho, eles próprios deixando-se olhar,
olhando ao mesmo tempo o Espírito de
Amor que faz a sua unidade. Muitas vezes basta um
olhar para dizer muitas coisas, basta um olhar para darde novo esperança,
confiança e vida, basta um olhar para dizer “amo-te!” e ouvir dizer em eco:
“amo-te!” A Trindade é um intercâmbio de “amo-te!” Há unidade e, ao mesmo
tempo, personalidades diferentes: cada um diz “amo-te!” e pode acrescentar
“eu sou amado!” Tal é o segredo da sua existência e da sua eternidade.
Mistério! Não por ser incompreensível, mas por, sem cessar, merecer ser melhor
compreendido. E a Trindade não é o único mistério, a humanidade também o é,
porque criada à imagem de Deus, homens e mulheres capazes de dizer “amo-te!” e
capazes de dizer “eu sou amado!”
5. À
ESCUTA DA PALAVRA.
Esta passagem de
São João retoma o que Jesus nos dizia domingo passado na Solenidade do
Pentecostes sobre o Espírito de verdade que nos guiará para a verdade total… É
o Espírito que nos dará a força para a compreender. Domingo passado,
reflectimos sobre a verdade que o Espírito Santo desvela progressivamente, ao
longo da história da Igreja. Hoje, estamos atentos ao facto de a verdade do
Evangelho nos atingir enquanto seres em crescimento de humanidade e de fé. Ora a fé,
contrariamente ao que por vezes se imagina, não é uma luz que cega. Ela é
uma espécie de luz obscura, uma confiança dada na noite. Ela implica um salto
no desconhecido. Isto verifica-se particularmente a propósito do mistério da
Santíssima Trindade. A palavra não se encontra na Bíblia, mas a realidade que
quer exprimir está muito presente no ensino de Jesus. Assim, hoje, vemos com
que insistência Jesus fala de seu Pai e do Espírito de verdade. Jesus diz, o
mais explicitamente possível, que entre o Pai, o Espírito e Ele tudo é comum…
Deus que é Pai, Filho e Espírito, Deus Único mas não solitário, Deus comunhão
eterna de Amor infinito no mais profundo do seu mistério, é a pedra angular da fé
cristã, a diferença, sem dúvida, fundamental em relação às outras
concepções de Deus. O nosso acto de
fé é aqui decisivo e determina se somos
verdadeiramente “de Cristo”. “Senhor, eu creio, mas aumenta a minha fé”.
6. ORAÇÃO
EUCARÍSTICA.
Pode-se escolher
a Oração Eucarística IV, que traça todo o plano de salvação, da
criação à vinda de Cristo, e situa-o sob o signo da Aliança que é comunhão com
o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
7. PALAVRA
PARA O CAMINHO.
Mergulhar no
coração do mistério… Uma festa para celebrar a relação de Amor que une o Pai, o
Filho e o Espírito Santo. Um mistério imenso que ultrapassa as nossas
concepções humanas e no qual somos
convidados a entrar. Durante a próxima
semana podemos dedicar um tempo à oração, à contemplação, para nos deixarmos
mergulhar no coração deste mistério de Amor
da Trindade… e um tempo para recentrar de
novo as nossas vidas de baptizados: a vida, o amor, a paz, o serviço… passam
livremente através de nós? Ou estamos desgarrados do conjunto?
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