Comentários Prof.Fernando* PÁSCOA
PÁSCOA
27 de março 2016
isso nós vos anunciamos: O que vimos e ouvimos,
o que nossas mãos tocaram (cf.1ª.João1)
1) Memorial dos mortos: protesto e
sede de justiça
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O povo é sempre sensível à dor e ao mistério da morte. Após as tragédias
surgem lugares destinados a lembrar os mortos, por assassinos ou em acidente. Viram
pontos de reunião de familiares, amigos ou desconhecidos para trazer suas
lágrimas, flores, mensagens em cartazes, bilhetes de saudade. Podem ser praças,
muros de uma escola, ou uma cruz plantada à beira do cruzamento de uma rua ou
estrada. Dão espaço à dor, ao protesto e à vontade de ver justiça.
·
Por isso também a piedade cristã inventou cantos de lamentação nas
semanas santas, procissões do Senhor morto e sua Mater dolorosa, a mãe das
muitas dores. A arte dos gênios da pintura, da escultura e da música foi capaz
de Pietàs saindo do mármore, das vias crucis e crucificados em afrescos e
telas. Os compositores clássicos, inclusive brasileiros, traduziram a dor
humana e a paixão de Cristo em seus Requiens, Misereres e Sinfonnias Fúnebres.
·
Impressiona, porém, a dificuldade maior de expressar o mistério
complementar da Ressurreição. Talvez por estar já embutido e subjacente à
saudade das pessoas que se juntam nos locais transformados em memorial, ou
implícito na tristeza e encenações da paixão na semana santa celebrada conforme
diferentes ritos e tradições em muitas cidades pelo mundo afora. A “Ressurreição”,
ao contrário, contrasta com o realismo da cenas de flagelação e dor, e a arte
sacra parece mais carregada de surrealismo, onde a imaginação mostra um Cristo
pairando no ar entre anjos e luzes. Talvez pinturas e ícones ortodoxos consigam
manter o mesmo tom na ressurreição, pois na toda representação ortodoxa tende a
mostrar sempre a figura humana transformada pelo Espírito. Seja como for, é
certo que têm mais força de impacto as imagens da guerra e da violência, ao
passo que não é possível fazer imagens e vídeos da vida e da ressureição. A dor
e o mal podem virar imagens públicas. Vida e ressurreição só podem ser
reconhecidas no segredo das células ou intimidade entre pessoas.
2)
O túmulo vazio
·
O texto de hoje (João, cap.20) mostra as três primeiras testemunhas do
Cristo ressuscitado como três estágios na reação frente ao novo Mistério.
Madalena pensa que roubaram o corpo do Mestre; Pedro emudece e apenas “vê”:
panos no chão, o lenço que cobria a cabeça, dobrado. Reação diferente teve o “outro
discípulo” (chamado “discípulo amado” talvez por ter sido o amigo mais íntimo e
constante. Ficou até o fim, ao lado de Maria e das outras mulheres, ao pé da
cruz. Só um discípulo “viu e acreditou”, como narra o escritor do evangelho.
3)
Esperança, Fé e Caridade
·
O túmulo vazio não é, portanto, “prova” da ressurreição, embora indício forte
que se realizara a promessa do Mestre. A ausência do corpo no sepulcro pode
despertar sempre a hipótese do roubo. Aliás Mateus (cf.cap.28) refere que os sacerdotes
e chefes do povo (que tinham conseguido uma guarda romana para o sepulcro) logo
pensaram nisso. E subornaram os soldados. Estes estavam apavorados pelo tremor
de terra, relâmpagos e luzes que referiram (a ponto de perder os sentidos conforme
verso4 do cap.28). Eles não viram o Ressuscitado, mas testemunharam seu pavor,
pois viram removida a pesada pedra da entrada do sepulcro. O suborno servia para
espalhar o boato: Dizei: Vieram de noite os seus
discípulos e, dormindo nós, o furtaram. E, se isto chegar aos ouvidos do governador
[Pilatos], nós o
persuadiremos, e vos poremos em segurança.E eles, recebendo o dinheiro, fizeram
como estavam instruídos. E foi divulgado este dito entre os judeus, até hoje. (Mt28,13-15).
Só mesmo
a propina para os idiotas aceitarem esta confissão de culpa a contradição na
frase: dormiam, mas viram os ladrões...
·
Nós não fazemos ideia do que seja Ressuscitar. O ser humano só tem
experiência da morte (vendo os outros morrerem e sabendo que passarão pelo
mesmo). “Ressurgir, ressuscitar” refere-se em várias línguas a: levantar-se (do
sono, da cama, da morte), pôr-se de pé. O mesmo sentido em português e outras
línguas derivadas do latim: ressurgir é surgir de novo, voltar à vida. Só nos
resta Crer, como o “discípulo amado. Ele, que tinha ido ao enterro do amigo, agora
precisava encontrar uma resposta para o túmulo vazio. Terá certamente pensado:
não é possível aceitar que o Criador da Vida fique para sempre dominado pela
morte. O discípulo amado se lembraria também das promessas do seu Mestre
referentes à ressurreição.
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A fé é certeza, construída de Esperança. A confiança é tal que gera as forças
necessárias para seguir fazendo o bem, ultrapassando a dor e o desespero,
tragédias, acidentes e perseguições. Cerca de 7 mil muçulmanos foram
massacrados recentemente no “genocídio da Bósnia”. E todos nós já levamos parentes
ou amigos ao cemitério. Poucos ou milhares de todos deploramos a morte. O ser
humano não pode simplesmente desaparecer. Nosso protesto não é só contra os responsáveis
por guerras na Bósnia, ou nas ruas de nossa cidade. Nunca nos conformamos na tristeza
e na saudade de nossos mortos. Eles gritam para ter suas vidas devolvidas, seja
porque assassinados como Abel, seja porque mortos por acidente ou por causas
naturais. Com eles clamamos por uma nova “justiça”.
4)
Feliz Páscoa!
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Entre nós os costumes sociais às vezes nivelam tradições religiosas ao
folclore social. Dizemos Feliz ou Boa Páscoa, do mesmo modo como Boas
Festas/Feliz Natal. Em outras línguas os cristãos misturaram, na linguagem, a
Páscoa com antigas celebrações pagãs do renascimento trazido pela primavera
(outono, no Brasil). Os ortodoxos guardara a saudação essencial da Páscoa: Christós anésti : Cristo ressuscitou
(núcleo central da fé cristã): sua ressurreição é a garantia da nossa. Certamente
não cremos numa espécie de garantia de “prosperidade” infelizmente objeto da pregação
de falsos profetas. Porque, diante do túmulo vazio não cabem fogos de artifício
nem os aplausos do domingo de ramos. Ou o silêncio da dor de Madalena que
imagina terem levado “o corpo de meu
senhor” (cf;João20,13), ou o espanto mudo de Pedro, ou a confiança
silenciosa do “outro discípulo” que “compreendeu” tudo num único olhar amoroso.
ooooooooooo
( * ) Prof. (Edu/Teo/Fil,1975-2012)
fesomor2@gmail.com
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