Comentários Prof.Fernando* “DOMINGO de RAMOS”/SEMANA SANTA
20 de março 2016
Semana Santa, corrupção e
manifestações de rua
1) A semana das dores
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“Domingo de Ramos” abre e marca a “Semana Santa”, que
é o núcleo de todos os Mistérios do mundo. O Ser divino decidiu encarnar-se em
ser humano (Ou será o humano, tão completamente humano que só podia ser Deus? -
escreveu o teólogo L.Boff citando Fernando Pessoa). O Mistério dos mistérios é
o Eterno que se faz vizinho dos mortais. Na expressão cristã: o “Filho” sai,
por assim dizer, do convívio divino, para morar entre nós. Assume sua “Carne”,
que atravessa as mesmas fragilidades, num “mergulho” histórico e existencial,
do nascimento à morte.
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Mas a Semana Santa fala em particular da tragédia do
final da vida daquele homem de Nazaré. Nela revemos a situação de Jó
(personagem que dá nome ao conhecido livro da Bíblia), protótipo do paciente de
um sofrimento injusto e impiedoso, símbolo do inocente diante do mal, chamado
até pelos amigos de “culpado” e merecedor de “castigo”. O Cristo da semana
santa é também (cf., hoje, Isaías 50) o Servo
Sofredor, gemente silencioso sob a tortura.
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As dores e angústias do Cristo, inocente, mas acusado
por testemunhas compradas, resultaram do seu posicionamento assumido em vista
do cumprimento tanto a Lei como da palavra dos Profetas. Preferiu praticar o
bem em vez de viver como mero seguidor de doutrinas e ritos religiosos. Irritou
os donos da religião de seu tempo. Atraiu o ódio dos que preferiam fazer
alianças com Herodes e até com o representante do império romano para continuar
usufruindo de prestígio e até do rendimento proporcionado pelo culto e seus
sacrifícios, no templo.
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As dores e angústias do Cristo, inocente, mas entregue
hipócritamente pelos próprios concidadãos ao odiado invasor romano (só ele
podia autorizar a pena de morte) resumem as dores e angústias do mais pobres e
abandonados de sua gente que, até o momento de sua prisão, ele consolava e
amava. O crucificado vive na própria carne a fragilidade daqueles que um dia
ajudou. Da viúva que, além de ter perdido o garante de sua sobrevivência numa
sociedade de tipo patriarcal, também perdera o filho único. Viveu na própria
carne o desprezo que recebiam os excluídos de seu tempo: leprosos, cegos,
aleijados e deficientes, pobres e famintos, pessoas conhecidas como “pecadores
públicos” tais como mendigos, agiotas, publicanos e prostitutas e os
atormentados por muitos demônios e transtornos mentais. Acrescente-se ainda
outros grupos também discriminados pela desvalorização social da mulher e da
criança.
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O Cristo experimentou a humilhação desse povo
submetido aos poderosos controladores dos ritos, das etiquetas e leis.
Experimentou em si o que vivia a maioria: a humilhação dos doentes e do povo em
geral submetidos a rituais, etiquetas e leis impostas pelas três classes
políticas da época, líderes hipócritas e arrogantes: fariseus, mestres da lei e
sacerdotes. Uns se julgavam os verdadeiros fieis à religião. Outros se
consideravam os únicos intérpretes das Escrituras. E, por fim, os sacerdotes:
barganhando alívio espiritual das culpas por meio de sacrifícios e ofertas.
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Jesus afastou-se das três formas de poder. Caminhava
pelas aldeias e cidades, atendendo doentes e deficientes. Procurava aliviar sua
dor, curar suas feridas e doençs, expulsar de suas almas o medo e tudo o mais
que os atormentasse. Sentava-se à mesa entre publicanos, adúlteros, filhos
pródigos, mulheres, crianças e todos tradicionalmente desprezados. A Paixão da
semana santa é o preço que o Cristo paga por não ter ficado indiferente à
paixão de seus irmãos. Mas a semana santa se conclui com a retomada da Vida
pelo mesmo Cristo que passou pela morte. Ressurreição
é “insurreição contra a violação da vida” dos cegos, coxos e famintos (L.Boff).
2) Semana santa em tempos modernos de
corrupção
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Jesus afastou-se das formas de poder de seu tempo,
caminhando junto aos mais fracos. Hoje também renunciaria ao poder para
demonstrar um modo de vida voltado par os empobrecidos pela corrupção e pela
ganância do lucro “a qualquer preço”. Seria, como o profeta Amós, livre para
criticar a exploração dos que, na base da pirâmide, são os produtores de
alimentos, prédios, máquinas e serviços. A Semana Santa continua hoje,
protagonizada por outras vítimas. Vitimados pela carência de atendimento em saúde,
educação, segurança, moradia, transportes. Na parábola do Juízo Jesus se
identifica com estas vítimas (a mim o
fizestes, Mateus25): os doentes, deficientes físicos e mentais, os
flagelados pelas enchentes e deslizamentos de terra. Os carentes de emprego e
acesso à cultura, de casa e comida. Eles continuam carregando a cruz do Cristo.
Ou, como escreveu Paulo (Colossenses 1,24): “preenchem,
na própria carne, as lacunas das tribulações de Cristo” (cf.
Colossenses1,24).
3) Ramos, manifestações e passeatas
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O domingo de Ramos refere-se à entrada “triunfal” de
Jesus em Jerusalém poucos dias antes de sua morte. A multidão cantava louvores
e Hosanas certamente pensando menos em Jesus do que na independência em relação
ao império romano, na repetição de novas multiplicações de pães e novos
milagres. Havia uma expectativa difusa de um messias para restaurar o “Reino de
Davi”. Diante de Pilatos, porém, e dos sacerdotes que dirigiam as multidões,
aquela mesma turba preferiu a soltura de Barrabás e esqueceu dos Ramos agitados
dias antes.
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No Brasil vivemos cenas surreais na TV, delações e
denúncias diárias e revelações fantásticas sobre muitos dirigentes, políticos e
homens públicos. Nos últimos dias assistimos (ou participamos) de manifestações
nas “avenidas paulistas” de muitas cidades. Bandeiras, faixas e outros
símbolos, em vez dos Ramos. Novos Hosanas, aclamações e protestos em vez de
salmos bíblicos. De uma forma ou de outra nossas manifestações de rua são
cortejos messiânicos. Nos tempos de Cristo as opções eram mais simples: ou a
“lei” ou a Misericórdia, ou Barrabás ou Jesus. Em tempos modernos de democracia
as questões são mais complexas. E as convicções políticas e ideológicas
demandam mais informações, argumentos verdadeiros, menos manipulação. Em todo
caso aclamam-se novos messias. Moros, Dilmas, Lulas, Temers, Juízes, tribunais,
políticos e parlamentos. Risco iminente de radicalização, simplificação da
realidade: Barrabás ou Jesus?
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Mas a redenção não aconteceu no domingo de ramos, nem
se tratava simplesmente de substituir Pilatos por Jesus. É preciso passar pelo
domingo para chegar à sexta-feira santa, até a Páscoa. Mas a redenção não vem
diretamente das ruas e seus cortejos coloridos, amarelos, vermelhos, verdes...
Nem da cadência melhor das palavras de ordem ou dos discursos. A semana santa
continua, lenta, longa, dolorosa. Não será fácil reconstruir este país e o
mundo. A superação da corrupção não está desligada, em vasos comunicantes, da
luta contra o tráfico de drogas e de escravos. Há comércio de armas e guerras
de genocídio na Síria e em países da África.
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A pequena semana santa da paixão de cada um é
inevitável. Na sua família, no seu emprego ou desemprego. Na busca da saúde e
superação da violência. Na contribuição possível em seu condomínio, bairro ou
favela para a luta de formiguinhas para melhorar condições de saneamento,
erradicar endemias e salvar a Natureza ferida. Podemos agir como soldados
romanos a serviço deste ou daquele império. Podemos também servir de Cirineus
para aliviar algumas dores. Continuamos diante do Mistério e de muitos
mistérios. Nossa oração nesta semana santa talvez nos leve a aliviar o peso da
cruz de alguém. A oração e a meditação, qualquer que seja nossa religião ou
nossa fé, deseja luz e discernimento para todo o povo. Em particular, para os
líderes da sociedade civil ou dos poderes da República.
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Para que não se perca a esperança de aliviar o peso da
cruz dos brasileiros.
ooooooooooooo
( * ) Prof. (Edu/Teo/Fil,1975-2012)
fesomor2@gmail.com
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