Comentários Prof.Fernando*
3ºdom do Tempo comum (após epifania) 24 janeiro 2015
Liberdade,
liberdade, abre as asas sobre nós
(Imperatriz Leopoldinense: samba-enredo de 1989,
falando sobre a abolição da escravatura)
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Libertar, livrar, soltar, desprender, desobstruir, alforriar,
aliviar, liberar, isentar, eximir, desonerar, salvar, emancipar, desembaraçar,
desafogar... Alguns sinônimos para o desejo mais profundo do ser humano. Em
nome da liberdade se vive, fazem-se revoluções e guerras e até enganam-se as
pessoas (especialmente nas nossas velhas e boas democracias). Se examinarmos a
etimologia de livre (e seus correspondentes nas línguas afins ou na sua versão
anglo-saxônica de free e suas linguas afins) vamos descobrir suas
origens ligadas ao amor – ligadas à ideia de fazer o que agrada, a seu
bel-prazer, isto é, daquele que tem vontade
própria. Na antiga Roma, por ex., líberi significava os escravos
alforriados, mas também os filhos na família..
1) De sete em sete anos
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A escravidão era admitida em Israel desde que fosse sobre pessoas
oriundas de outras nações (cf. Levítico25, 44-4), nunca no interior do próprio
povo por causa da Aliança divina. O Novo Testamento estenderá esta Aliança a
todos os povos. Em Levítico lemos neste capítulo 24 as leis do ano jubilar ou
sabático que visam reafirmar que o único “dono” da Terra é o Senhor Jahwé. O
termo “jubilar” provém de yôbel, que
significa a trompa a cujo som se
anunciava o ano sabático (alusão em Isaías 61 cujo trecho Jesus escolheu para
ler na sinagoga de Nazaré – cf. evangelho lido hoje).
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A idéia do descanso ao sétimo dia (cf. criação e os sete dias) está
previsto na legislação do Êxodo (cf. 20,8: um dos “10 mandamentos do qual
decorre o conceito de “descanso da terra” cultivada -cap.23,10- ao qual
Deuteronômico 15 acrescentará o ano sabático do perdão das dívidas. Todas estas
medidas visavam garantir a estabilidade daquela sociedade com fundamentos na
família e o patrimônio familiar. Na comemoração do ano novo (como na leitura de
Neemias de hoje, o ano novo começava sempre no sétimo mês – correspondente aos
nossos setembro-outubro), mas a grande expectativa – que corroborava também a
esperança do Messias vindouro – consistia na expectativa do ano da
“Restituição” embora na Bíblia não conste que alguma vez tenha sido realizada.
Era uma utopia. Jesus pretendia realizar a velha utopia e o perdão das dívidas
e abertura das portas das prisões seria dela um sinal maravilhoso. Proclamando
aquele texto de Isaías como realizando-se nele, Jesus assumia o compromisso de
se tornar o servidor de todos, que são pobres e escravos, para livrá-los de
todo tipo de prisão.
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Não temos como saber o que Jesus tinha exatamente em sua mente e seu
coração no momento histórico em que pronunciou aquelas palavras na Sinagoga: sentou-se;
e todos os que estavam na sinagoga tinham os olhos fixos nele. Ele começou a
dizer-lhes: “Hoje se cumpriu este oráculo que vós acabais de ouvir”. Mas sabemos,
pelo testemunho ocular dos seus discípulos e pelo que foi contado e escrito por
vários deles, que o Mestre de Nazaré passou “fazendo
o bem” e curava os doentes, consolava os pobres e aflitos, dava a liberdade
aos oprimidos por seus demônios. As primeiras gerações de cristãos nterpretaram
a figura do “Servo sofredor” (cf. Isaías) como concretizada em Jesus de Nazaré.
E a fé cristã se fundamenta na ressurreição daquele que deu a vida sempre fiel
aos que amava. A vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus inicia no mundo um
tempo novo de liberdade completa pelo dom do Pai à humanidade. A utopia será
realizada quando o ser humano estiver livre de tudo aquilo que o oprime. Então
se cumprirá toda a lei prevista nos livros do Êxodo, Levítico e Deuteronômio, a
realização da esperança anunciada pelos profetas e vivida por Jesus de Nazaré.
A boa notícia (=ev-angelho) que ele anunciou já se realiza no hoje de cada um,
ainda que de forma incipiente e frágil.
2) Hoje se cumpre este oráculo
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Cada um sabe de quantos pesos desejaria livrar-se. Todos entendem a
exclamação que resume esta angústia (Paulo em sua carta “aos romanos”: Quem me libertará deste corpo de morte?). No contexto esta frase não pode
ser lida na perspectiva de ideias platônicas ou do dualismo (mazdeísmo,
maniqueísmo) em que o “corpo” aprisiona a alma ou onde se postula a
“existência” de dois deuses: o bom e o mau. O contexto de Paulo, fala da vida
humana na qual estamos sempre imperfeitos e limitados (todos, não só os mais
pobres, os deficientes ou doentes). Neste sentido a morte traz uma “libertação”
final. Perguntem a David Bowie o que ele sentia ao gravar seu último disco. Ou àquele
que tem Alzheimer (se pudesse entender e responder). Ou a alguém que está na
cadeia. Ou que não consegue refugiar-se com sua família para além do mar gelado.
Ou que ainda não conseguiu emprego. Ou que continua atônito porque sua filha morreu
tão jovem num assalto de rua.
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É dura a realidade dos seres humanos e suas complicadas sociedades.
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A esperança cristã tem, na Fé, a confiança de que haverá uma “redenção”
ou resgate pleno da Vida (apesar do nome teológico esquisito de “ressurreição”),
embora não dê respostas (no sentido de razões intelectuais e científicas) para
todas as perguntas e perplexidades humanas. Um dia, assim como imaginamos que
vamos compreender mais sobre estrelas e galáxias e sobre a cura das doenças,
assim também teremos luz para compreender nossa vida e a história humana, mesmo
que isto se realize além da vita brevis que
conhecemos. Haverá um ano sabático além do tempo-espaço, que não dependerá de
um ciclo repetitivo de “sete semanas de anos”, mas será eterno. No nível do Filho
de Deus que, paradoxalmente, é também um de nós. Um dia ele também frequentou
festas de casamento e experimentou suor e lágrimas. Mesmo tendo atravessado
estradas e dores, transformou sua cruz em “ressurreição”, reinaugurando a Vida
num “Reino” (absolutamente novo para a humanidade) de Liberdade com Justiça.
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Por analogia ao Ano Sabático hebraico, a tradição católica propõe também
os Anos Jubilares. Resta saber de que lado queremos estar no “ano jubilar da
misericórdia”, isto é, se procuramos (no âmbito de nosso alcance) realizar Liberdade
e a Justiça, pela Misericórdia.
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