quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O que não está contra nós está a nosso favor-Claretianos

Tema: Vigésimo Sexto Domingo do Tempo Comum
Números 11,25-29: Oxalá todo povo fosse profeta
Salmo 18: Os mandamentos do Senhor são retos e alegram o coração
Marcos 9,38-43.45.47-48: O que não está contra nós está a nosso favor.
38 João disse-lhe: Mestre, vimos alguém, que não nos segue, expulsar demônios em teu nome, e lhe proibimos.39 Jesus, porém, disse-lhe: Não o proibais, porque não há ninguém que faça um prodígio em meu nome e em seguida possa falar mal de mim.40 Pois quem não é contra nós, é a nosso favor.41 E quem vos der de beber um copo de água porque sois de Cristo, digo-vos em verdade: não perderá a sua recompensa.42 Mas todo o que fizer cair no pecado a um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe fora que uma pedra de moinho lhe fosse posta ao pescoço e o lançassem ao mar!43 Se a tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a; melhor te é entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para a geena, para o fogo inextinguível 44 [onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga].45 Se o teu pé for para ti ocasião de queda, corta-o fora; melhor te é entrares coxo na vida eterna do que, tendo dois pés, seres lançado à geena do fogo inextinguível46[onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga].47 Se o teu olho for para ti ocasião de queda, arranca-o; melhor te é entrares com um olho de menos no Reino de Deus do que, tendo dois olhos, seres lançado à geena do fogo,48 onde o seu verme não morre e o fogo não se apaga.
Comentário

Uma chave de compreensão para as leituras deste domingo: Ninguém pode ser excluído do serviço realizado em nome de Deus”. Em meio às tradições do povo israelita pelo deserto, o livro dos Números apresenta o relato da partilha do espírito de Moisés, entre setenta membro do povo. A intenção é que Moisés não tenha que levar a carga sozinho. Com esta decisão de Javé, a responsabilidade fica repartida: cada um dos que receberam uma “parte” do espírito que estava em Moisés deveria ser profeta entre o povo. Assim, é preciso atenção ao contexto para intuir as características implicadas na tarefa destes personagens.
O capítulo onze do livro dos Números conta as etapas da marcha do povo pelo deserto. A narrativa está centrada em uma dificuldade enfrentada pelo povo: levavam vários meses comendo maná e já estavam enfastiados: “temos a alma seca” (v. 6), “não comemos nada mais que maná” (v. 6b), e com isto vem a tentação de lembrar o tempo de abundância de comida no Egito. Já podemos intuir a grave dificuldade que Moisés estava enfrentando: como fazer para que o povo não ficasse pensando no Egito? O deserto é o grande desafio. Do lado de lá está o Egito, com sua abundância, porém também com sua escravidão. Adiante está a promessa de uma terra, a liberdade, uma vida digna, mas que é preciso conquista-la a preço de privações, sacrifícios e esforços.
O relato causa admiração porque Javé fica encolerizado. É um recurso literário para introduzir a preocupação de Moisés, que se expressa em uma bela oração de intercessão pelo povo. A solução que Javé propõe é adequada:  reunir setenta representantes do povo para repartir entre eles o espírito que estava em Moisés; dessa maneira a direção, orientação e conscientização do povo seria obrigação de muitos e não somente de Moisés.
O espírito doado a todas essas pessoas vem a ser, então, profético, isto é, está a serviço da profecia. É preciso assumir esta atividade profética como sendo orientada a ajudar o povo a tomar mais e mais consciência do plano de Deus, a entender o que realmente acontece: o Egito e sua abundância de comida, porém, com sua escravidão, que é o contrário do plano divino, e o que está adiante: um deserto inevitável, desafiante, perigoso, mas que, afinal de contas, se torna uma passagem necessária para poder chegar à terra da liberdade, terra da promissão. Qualquer pessoa do povo que entendesse assim as coisas, poderia “catequizar” seus irmãos nesse sentido e seria chamado profeta “autorizado, não porque tivesse necessariamente estado na tenda do encontro, mas por estar em comunhão com o ideal de Javé.
Este parece ser o caso de Eldad e Medad. Eles não estiveram no momento da partilha do espírito e, contudo, estavam profetizando. Vem a reação de Josué, o mesmo que mais tarde se encarregará de guiar o povo nos trabalhos de conquista e ocupação da terra prometida. Josué não entende ainda a sua missão de profeta e seu poder sobre o povo, e por isso aconselha a Moisés que os proíba de profetizar (v. 28). Por sua parte, Moisés compreendeu muito bem que no trabalho de libertação do povo, todos tem uma grande responsabilidade e responde a Josué com palavras aparentemente duas, porém buscando abrir a consciência de seu ajudante: “Oxalá todo o povo fosse profeta” (v. 29); oxalá cada um assumisse com verdadeiro empenho a tarefa de conscientização própria e de conscientizar seu semelhante, seu próximo. Afinal, não é justamente isso que Deus quer e espera? Josué não estava preocupado com a necessidade de cada membro do povo, que cada um tivesse a consciência bem formada para continuar a caminhada pelo deserto; a preocupação dele era mais defender o “oficial”, o “autorizado” por Deus na tenda do encontro, isto é, o “instituído”, a defesa dos “direitos” de Deus.
Na mesma linha está o evangelho de Marcos para este domingo, uma situação semelhante ao que aconteceu com os discípulos de Jesus. Mal Jesus havia dado a lição sobre quem era o maior (Mc 9,33-37), se produz um incidente que tem a ver com a exclusividade dos membros do grupo seguidor de Jesus. João fala a Jesus que haviam impedido um homem de expulsar demônios em seu nome porque não se tratava de um dos membros do grupo (v. 38). Não há uma pergunta no sentido de saber como fazer em casos semelhantes, que posição assumir, etc. A resposta de Jesus é sábia: “ninguém faz um milagre em meu nome, depois fala mal de mim” (v. 39), e “o que não está contra nós, está a nosso favor”. Na tarefa do de construção do Reino ninguém tem exclusividade. Talvez os discípulos não tivessem claro ou não recordassem que sua pertença ao grupo de Jesus foi um dom de pura gratuidade. Ninguém foi escolhido por Jesus em função de seus méritos. Foi Jesus quem escolheu, passando pelo caminho, chamou os que ele quis, mesmo sabendo que não eram nem os melhores nem os mais representativos da sociedade. Nesse sentido, também outras pessoas podem ser chamadas. Em cada homem e em cada mulher, Deus semeou as sementes dobem; como e quando essas sementes começam a germinar e dar frutos, isso é decisão de cada um. Às vezes nos parecemos com João e o restante dos discípulos: nós ficamos com ciúme de quem, sem pertencer à instituição, faz obras melhores que as nossas. E aparece inevitavelmente a frase: “Porém, esse é de tal ou qual religião, ou de tal grupo...”. Damos mais importância aos interesses mesquinhos, a critérios de autoridade e de exclusividade absolutamente rejeitados por Jesus, do que à vocação universal de fazer o bem e à prática do amor (cf. Mc 9,39).
O diálogo de Jesus com seus discípulos reflete a situação da comunidade para a qual Marcos escreve seu evangelho. Uma comunidade provavelmente consciente do que eram as exclusões, porém, ao mesmo tempo, corria o risco de ser exclusivista, com uma justificativa aparentemente sadia: “Ser ou não ser dos nossos”, “ser ou não ser do caminho”, “estar ou não estar no processo...”, e enfim, outros impedimentos com os quais pretendiam encontrar uma justificativa de defesa da pureza da fé, do “credo”, da “ordem”, ou, definitivamente, de “defender os direitos” de Deus.
Pois bem, quando se chega ao extremo de “defender” a Deus, ou os seus “direitos”, acaba-se por minimizar o próprio Deus, colocando-o em situação de ridículo ante o mundo; a consequência imediata é a prevista por Jesus e talvez a que existia na primeira comunidade: o escândalo em relação aos mais pequenos. Jesus manifesta preocupação com os “pequenos”, não somente os menores de idade, mas os que mal começavam a intuir a dinâmica do Reino, com a subsequente imagem de Deus que ele propõe.
Com tudo isso, através dos séculos, os perigos da comunidade primitiva se convertem em fatos reais: quantos crentes promotores do bem, da justiça e da paz foram excluídos ou calados pelo simples fato de “não eram dos nossos”; quantos Josués e Joões empenhados ainda “defendem” uma pretensa exclusividade que ninguém possui; com essa pretensão consegue-se apenas escandalizar cada vez mais pessoas, fazendo-as crer que Deus é tão pequeno a ponto de ser reduzido aos estreitos limites de um grupo ou de uma instituição, ainda que seus adeptos sejam contados aos milhares.

Se conseguimos tomar consciência de que Deus é maior que um grupo ou uma instituição e que em nenhum momento nossa vocação é a de defender supostos direitos de Deus, mas simplesmente servir, colocar-se a serviço da construção do Reino, com e a partir das múltiplas possibilidades que isso implica, dada a insondável riqueza do mesmo espírito, então jamais se pensará se este ou aquele é ou não é “dos nossos”, mas... como cooperar mais e melhor com aquele ou aquela que está lutando tanto quanto nós por construir aqui o reino. 
Oração
Ó Deus, Pai e Mãe, que em todas as pessoas e em todas as coisas te manifestas, abre nossos corações e nossas mentes para compreender melhor o que desde sempre estás comunicando, inclusive através daqueles que te conhecem por outros caminhos e com outras linguagens; arranca de nós toda tentação de exclusivismo e mantém-nos dispostos a ajudar e a deixar-nos ajudar na construção coletiva do teu Reino. Nós te pedimos, inspirados em Jesus, transparência tua. Amém.


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