segunda-feira, 18 de maio de 2015

Recebam o Espírito Santo-Claretianos

DOMINGO, 24 DE MAIO DE 2015
Pentecostes
Vicente de Lerins, Susana, Marua Auxiliadora
Atos 2,1-11: Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar
Salmo 103: Envia teu Espírito, Senhor, e renova a face da terra
1Coríntios 12,3b-7.12-13: Fomos batizados todos no mesmo Espírito
João 20,19-23: Recebam o Espírito Santo.
19 Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes ele: A paz esteja convosco! 20 Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor. 21 Disse-lhes outra vez: A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós. 22 Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo. 23 Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.
COMENTÁRIO
Qualquer grande cidade do mundo atual já lembra o ambiente da torre de Babel: pluralidade de línguas, pluralidade de culturas, pluralidade de ideias, pluralidade de estilos de vida e problemas imensos de intolerância e incompreensão entre os que a habitam. Como conviver e entender-se com tantas diferenças? A situação está se tornando especialmente problemática nos países desenvolvidos, porém também nas grandes cidades de todo o mundo. Imigrantes do campo, do interior, de outros estados ou países que deixam tudo para buscar trabalho, um lar, um lugar onde receber sustento e qualidade de vida. Em desespero, o número é cada vez maior daqueles que se dirigem aos países desenvolvidos, ainda que para isso tenham que enfrentar mares tenebrosos em barcos precários. Chegar à outra margem é o sonho… E quando chegam, se é que os deixam entrar, começa um verdadeiro calvário até poder situar-se no nível do que ali vivem. Nosso mundo se converteu já em paradigma da torre de Babel, palavra que significa “porta dos deuses”. Assim se denomina a cidade, símbolo da humanidade, precursora da cultura urbana. Uma cidade em torno de uma torre, de uma língua e de um projeto: escalar o céu, invadir a área do divino. O Ser humano quis ser como Deus (já antes havia tentado no paraíso como casal, agora em nível político) e se uniu (se uniformizou) para consegui-lo.
Porém, o projeto se frustrou: aquele Deus, zeloso desde o começo do progresso humano, confundiu (em hebraico, “balal”) as línguas e acabou para sempre com a porta dos deuses (“Babel”). Talvez nunca tenha existido aquele mundo uniformizado; talvez tenha sido uma tentadora aspiração de poder humano. Depois do castigo divino, as diferentes línguas foram o maior obstáculo para a convivência, princípio de dispersão e de ruptura humana. O autor da narrativa babélica não pensou na riqueza da pluralidade e interpretou o gesto divino como castigo. Porém, fez constar, já desde o princípio que deus estava favorecendo o pluralismo, diferenciando os habitantes do globo pela língua, dispersando-os.
Dez séculos depois de escrita esta narrativa do livro do Gênesis, lemos outra nos Atos dos Apóstolos. Ela teve lugar no dia de Pentecostes, festa da colheita na qual os judeus recordavam o pacto de Deus com o povo no monte Sinai, “cinquenta dias” (= pentecostes) depois da saída do Egito.
Estavam reunidos os discípulos, também cinquenta dias depois da Ressurreição (o êxodo de Jesus para o Pai) e iam recolher o fruto semeado pelo Mestre: a vinda do Espírito Santo, descrito por meio de acontecimentos, expressos como se se tratasse de fenômenos sensíveis: ruído de vento forte, línguas de fogo que acrisola e purifica, Espírito (ruah: ar, alento vital, respiração) Santo (= hagios: não terreno, separado, divino). É o modo escolhido por Lucas para expressar o inenarrável, a irrupção de um Espírito que os livraria do medo e do temor e que os faria falar com liberdade para promulgar a boa notícia da morte e ressurreição de Jesus.
Por isso, recebido o Espírito, começam todos a falar línguas diferentes. Alguns indicam com esta expressão que se trata de “ruídos estranhos”, talvez tenha sido assim originariamente, ao estilo das reuniões carismáticas. Porém, Lucas diz “línguas diferentes”. Assim como soa. Pouco importa averiguar em que consistiu aquele fenômeno para cuja explicação não contamos com maiores informações. O que importa é saber que o movimento de Jesus nasce aberto a todo mundo e a todos, que Deus já não quer uniformidade, mas pluralidade; que não quer o confronto mas o diálogo; que começou uma nova era na qual é preciso proclamar que todos os seres humanos, não somente apesar de, mas graças às diferenças; que já é possível entender-se superando todo tipo de barreiras que impedem a comunicação.
Porque este Espírito de Deus não é espírito de monotonia ou de uniformidade: é poliglota, polifônico. Espírito de concentração (do latim “concertare”: debater, discutir, compor, pactuar, acordar). Espírito que estabelece relacionamento amigável entre as pessoas com pontos de vista distintos ou modos de viver diferentes. O dia de Pentecostes, além das línguas, não foi causa de confusão. “Cada um os ouvir falar em sua própria língua as maravilhas de Deus”. Deus tornava possível o milagre da compreensão.
Estreia assim a nova Babel, a pretendida por Deus, longe de uniformidades malsãs, um mundo plural, porém vivendo em concordância. Oxalá que a reinventemos e não sigamos levantando muros nem barreiras entre ricos e pobres, entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento ou nem sequer isso. À vinda do Espírito significou para aquele punhado de discípulos o fim do medo e do temor. As portas da comunidade se abriram. Nasceu uma comunidade humana, livre como o vento, como fogo ardente. Não sem razão diz Paulo: “Onde há Espírito de Deus há liberdade” e onde há liberdade, autonomia (o ser humano – e seu bem -  se tornam lei) e onde há autonomia, se fomenta a pluralidade e a individualidade, como caminho de unidade e resplandece a verdade, porque o Espírito é veraz e nos guia pelo caminho da verdade, da autenticidade, da vida, como diz João em seu evangelho. Que venha um novo Pentecostes sobre nosso mundo – é nossa oração – para acabar com esta onda de intolerância e intransigência que nos invade por todos os lados.
Oração: Ó Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai da glória: ilumina nosso olhar interior para que, vendo o que esperamos do teu chamado e entendendo a grande e gloriosa herança reservada aos santos, compreendamos com que extraordinária força age em favor dos que cremos. Por Jesus Cristo nosso Senhor. Amém.



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