DESERTO: SOLIDÃO E TENTAÇÕES - José Salviano

1º DOMINGO da QUARESMA

9 de Março de 2014 

Evangelho - Mt 4,1-11

O SER HUMANO NÃO É MERCADORIA PARA SER EXPLORADO!

JESUS FOI TENTADO NO DESERTO

            Prezados irmãos. Neste domingo a Igreja inicia sua caminhada quaresmal rumo à Páscoa, atenta aos apelos que brotam da Palavra de Deus e da realidade da vida sofrida do povo excluído: daqueles que clamam por justiça, por moradia, por transporte, por emprego, e reclamam também da robalheira dos poderosos, enfim,reivindicam  uma vida digna que não os obrigue a assaltar para sobreviver.

            Este é o primeiro domingo da quaresma, no qual vamos lembrar a experiência de Jesus no deserto, onde Ele vence as tentações do maligno, para nos dar o exemplo. Talvez Jesus enquanto homem, estando entorpecido pela fome, e pela sede, tenha cochilado e tido uma visão, na qual viveu uma experiência inédita em sua vida.

            Em uma região do Globo onde predominam os climas áridos e semi-áridos, a presença ou existência do deserto é uma realidade muito familiar.  Quarenta dias significava muito tempo. Semelhante ao episódio da saída do Egito na qual o povo de Deus teria passado 40 anos no deserto, Jesus, após receber o batismo de João, passou também "quarenta dias" no deserto, como um tempo de provação, e de preparo para a sua missão.  O deserto é o lugar de purificação e decisão, em um processo de mudança de vida. O povo de Deus, os hebreus, durante os quarenta anos no deserto, permaneceram em preparação para as novas condições de vida na "terra prometida", onde eles  invadiram exterminando os povos que aí habitavam.

            No final daquela visão ou tentação no deserto, os anjos apareceram e serviram Jesus. Nós, pelo contrário, queremos ser servidos por Deus. Somos tentados a usar Deus em benefício próprio. Isso  é muito comum  na religiosidade que se difunde no contexto de nossa sociedade consumista. Dessa  forma, infelizmente acontece que em vez de servir a Deus, com tudo o que isso implica, muitas pessoas querem que Deus esteja a seu serviço para satisfazer seus desejos, seus projetos, suas aventuras e ambições individuais. Isso acontece porque o rolo compressor do capitalismo deixa de lado qualquer tipo de consideração de cunho afetivo,fraterno, amoroso  e principalmente  espiritual.  O capitalismo selvagem prima pelo objetivismo, ou seja, transforma em mercadoria não apenas a matéria, como também os seres vivos, inclusive os humanos. Quem tem  dinheiro, pode tudo. Pode até comprar pessoas.   Alguns capitalistas seguem, ou fingem seguir uma religiosidade social, água com açúcar, uma religiosidade de aparências, só para atrair os clientes religiosos. Usam o nome de Deus para pedir coisas que o próprio Deus, certamente, não aprova, querendo sucesso em tudo, mesmo quando esse “tudo” desrespeita o direito alheio ou quer justificar fontes de pleno lucro.

            A quaresma é o tempo propício a um maior amadurecimento da fé em Jesus, que toca os indiferentes por sua palavra. É a palavra humilde e amorosa que tem a força transformadora renovando a vida no mundo, pela prática da justiça e pela fidelidade à vontade do Pai que quer vida plena para todos. Fica assim removido o pecado do mundo, libertando-o da dominação dos adoradores do dinheiro e do poder.

            Nesse tempo de quaresma,  nós também estamos entrando em um deserto, entrando em um tempo  de purificação. Estamos começando um período ou espaço de tempo no qual vamos reavaliar a nossa vida, verificando o que estamos fazendo de concreto pela nossa salvação e pela salvação da humanidade.  Deserto  é lugar isolado, que convida a meditação, a reflexão, e a oração. Deserto de nós mesmo, momento de cada um cair em si, e ver o quanto estamos perdidos, o quanto nos falta para chegar perto da perfeição, o quanto estamos longe de merecer alcançar as promessas de Cristo. 

            No deserto a vida é quase zero. Só não é, porque,  em sua borda  e mesmo ao longo da areia, existem os animais noturnos que matam a sede pelo orvalho ou sereno da madrugada como é chamado no sertão semi-árido.  Aquela pequena porção de água que evapora da areia logo que o sol da manhã aquece, cai durante a noite em forma de precipitação, chuva, ou melhor, em forma de sereno, e é o suficiente para a sobrevivência de raros animais como a perigosa cobra da areia do Sahara.

            Meu irmão, minha irmã. Será que isso está acontecendo em sua vida?
Será que você se afastou da verdadeira vida e se isolou em um deserto pessoal, e por algum motivo se recusa a viver partilhando a vida em comunidade? E neste seu deserto, onde a vida é pouca e diminui cada vez mais, onde a vida é escassa pela falta de água, pela falta da fonte de água pura que você deixou lá atrás, onde a solidão é cruel, onde a diversão é quase nula, porque por mais que você tenta se divertir, acaba sempre no tédio, aí você começa a sonhar  com piscinas, comidas, festas e com a riqueza dos lugares úmidos, com vegetação verde e muitas flores e frutos.  E é aí que mora o perigo. Pois o diabo sabendo que você está sedento(a) de muitas coisas, vem lhe tentar , vem  oferecer-lhe prazer sem limites, e felicidades mentirosas e falsas alegrias baseadas  no consumo desenfreado, nas noitadas com música,  bebedeiras,  falsos amigos, e com sexo sem responsabilidade e sem remorso...

            Volta, meu irmão! Volta minha irmã! Volta para Deus! Pois só em Deus encontramos o verdadeiro  significado da vida. Só com Cristo, só estando na sua companhia, nós  nunca nos sentimos num deserto, nunca  sentimos o peso da solidão. Você está solitário, solitária, então experimente viver em Cristo, viver com Cristo, e adeus solidão!    

 A tentação acontece para todos nós. Se até Jesus foi tentado, ninguém escapa dela. Cada tentação que nos acontece no dia-a-dia, é composta por três estágios ou fases, a saber:

1- A SUGESTÃO - Nessa primeira fase, o diabo apenas nos faz uma sugestão. Ei! Que tal você pegar um pouco de dinheiro desse caixa?  Que tal experimentar fazer  uma cantada àquela linda mulher do seu amigo?  etc.       

2- A ATRAÇÃO - Você resiste firme. Mas se esquece de rezar, ou de fazer o sinal da cruz, que tanto apavora o demônio. Nesse momento,você não pode, e nem precisa movimentar  o braço, mas sim, apenas pronunciar: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém. Porém, se não fizer nada disso, o capeta lhe dominará. Pois você começa a sentir uma atração que vai graduando, pela sugestão feita. Começa a pensar que afinal de contas, ninguém está vendo ou coisa desse tipo.

3- O CONSENTIMENTO - Aqui o aspecto moral da sua personalidade fica entorpecido e  você se entrega. Finalmente se considera vencido, e diz para si mesmo. Ah! Ninguém é de ferro! É só esta vez! É só hoje!   Depois vou confessar...  E aí a casa cai. Ou você caiu em pecado, e ficará no chão até perceber a mão estendida de Jesus para levantá-lo... Porque Jesus amoroso não desiste de você nunca! Lembre-se. Foi Deus que através do profeta Natã,  perdoou Davi de seus dois grandes pecados...

            Jesus foi ao deserto para se preparar para a sua missão. Também lá ele foi tentado pelo demônio que o queria experimentar. 

            Quanto maior a santidade da pessoas, maior será a sua tentação.  Abraão, por exemplo, foi tentado para provar sua fé, mas passou no grande teste. E Deus disse: Agora eu sei que é grande a tua fé!

A palavra “tentar” significa  atrair para o pecado, mas também significa purificar, testar  e provar para ver se alguém já está pronto para sua missão. Foi o que aconteceu ao Filho de Deus no deserto, a Abraão, é o que acontece ao seminarista, ao catequista, à freira, a você e a mim, diariamente.

            Seja firme! Lembre-se do sinal da cruz. Reze mais, comungue mais.Viva sempre na presença de Deus. Se cair, levanta. Coragem!  Até Jesus foi tentado.  Vamos imitá-lo, vencendo a todas as tentações da nossa vida! Amém.

José Salviano