segunda-feira, 1 de abril de 2013

Respondendo à inquietude de Patrícia sobre o pós morte - Prof. Teólogo Fernando


Respondendo à inquietude de Patrícia sobre o pós morte - Prof. Teólogo Fernando

Patrícia. 
Quem somos nós para determinar quem vai para o céu, quando, como, etc.? 
Suas questões envolvem vários termos e cada um mereceria uma reflexão. Vou selecionar alguns para ficarmos no terreno da fé cristã, isto é, o que nós cremos (e um ótimo resumo do que nós cremos está no Credo, que declaramos juntos nas celebrações: creio num só Deus, que é Pai, etc. no seu Filho que se fez homem na barriga de Maria, que ... (toda a semana santa que passou: padeceu sob aquele romano covarde; crucificado, morreu, colocado num túmulo. Mas visitou os que morreram antes, RESSUSCITOU (está VIVO e junto do Pai) . Também cremos que "um dia" até nossa casa terrestre vai "morrer" (fim do mundo), isto é, cada membro da humanidade passará pela passagem estreita para estar diante da Verdade, do Bem, da Beleza suprema que é Deus e aí é o "juízo final", isto é, último, para todos. A carta de Pedro e o Apocalipse também falam que depois desse "último" acontecimento, haverá um novo céu e uma nova terra, quer dizer: é como se Deus refizesse sua criação, tudo novo em folha, recuperado, restaurado em Cristo, "lavado no seu sangue" que purifica mais do que qualquer água ou removedor de gordurinhas e pecadinhos que a gente possa imaginar... 
Estou usando de propósito uma linguagem de comparações (a Bíblia faz isso o tempo todo, na linguagem de cada época e Jesus falava em "parábolas"). Acho que assim evitamos uma vontade danada que temos de "explicar" a nossa fé. As ciências procuram explicar o funcionamento das moléculas, da matéria, dos organismos, das doenças e das curas. A fé, porém, é como uma amizade ou um encontro de duas pessoas que se amam. É uma questão de confiança. 
Então, quando Cremos (ver o Credo) cada "objeto" de nossa fé, é aceitar que Deus ama cada um e fez gestos (criação, encarnação, redenção, ressurreição, ascensão, etc.) e fará outros , tudo em função de nos levar para ser felizes com ele (há poucas semanas meditamos a parábola do "filho pródigo" onde está claro como Deus é carinhoso não só com o mais velho mas (principalmente) com aquele que voltou e, então, faz uma festa de arromba que assusta até o irmão mais velho!!! Ovelha perdida (mais alegria uma que as outras 99. Moedinha da mulher pobre, também perdida e... reencontrada: chama os vizinhos conta pra todo mundo, que alegria! (Parece incrível mas é Deus se alegrando, dando festa, contando pra todo mundo que reencontrou, que achou, que o filho que estava morto, voltou a viver (isso é Ressurreição que relembramos na Páscoa). 
Então, não vamos tentar explicar os "Santos" (é uma linguagem gasta quando só pensamos na lista daqueles "canonizados", "oficializados" "que estão no céu". Vamos reler as cartas dos apóstolos, as epístolas, sobretudo Paulo: Santos somos todos nós, porque batizados, porque aceitamos a Fé (que vem do testemunho de outro, que passa para outro, para outro, e chegou até mim). 
Então não vamos medir com relógio a "hora" exata da entrada no céu, o dia certo em que poderemos ver Deus "face a face" (porque Jesus, homem como nós, mas Filho e Deus na "Trindade") é nosso passaporte (de Moisés e Elias e tantas figuras no A.Testamento, lemos que não podiam "encarar" Deus diretamente porque seria a morte - é muita "Santidade" para pobres mortais!!! Eles então ouviam a "voz" do Senhor ou o "anjo do Senhor" conversava com eles, como os hóspedes no acampamento de Abraão. 
Nos ajuda pensar que depois da morte, não se vive no "tempo" cronológico como nesta Terra que contabiliza os minutos do giro de 24 h em torno do sol. Basta "imaginar" o termo "eternidade", que é o inverso do "tempo". É como se fosse um "presente" contínuo onde não existe "passado" nem "futuro". Aliás, não é tão complicado pensar numa dimensão diferente do nosso tempo terrestre quando a física moderna depois de Einstein e outros fala de espaço-tempo, curvatura do tempo, viagens no tempo... (isso é usado em muito filme de ficção, em muita pesquisa científica, mas pouco na comparação com a linguagem bíblica e teológica...). No entanto a Bíblia fala nos salmos que diante de Ti um dia são como mil anos e mil anos como um dia. O próprio Jesus lembra: Deus não é Deus dos mortos mas Deus dos vivos. Quando dizemos que Jesus desceu aos "infernos", é como se tivesse ido às regiões "inferiores" (mesma raiz da palavra infernos) região dos falecidos para "dar a mão" aos que "esperavam" a ressurreição de Jesus (é um modo de dizer, pois já lembramos há pouco que para Deus só há um "eterno" "presente".
Então, seria bom crer apenas, sem querer "explicar" (porque nem a ciência explica tanta coisa do universo porque a gente teria de ter explicação para tudo?) naquela palavra de Jesus na cruz: "hoje mesmo estarás comigo no paraíso" (não é para interpretar: será que Jesus queria dizer "hoje = sexta-feira"? - era uma sexta, não era? na véspera do sábado sagrado dos judeus).  ou "hoje" nessa palavra de Jesus queria dizer, logo depois que eu der o último suspiro? ou será que ele queria dizer uma "hoje" mais largo pois teria de esperar o domingo da ressurreição (senão o bom ladrão entraria no paraíso ants dele chegar?). Brincadeira, né? Aqui é ironia, claro, para dizer que não dá para raciocinar com a palavra "hoje" no contexto que nós usamos do "dia a dia"...
A mesma coisa a gente teria de pensar o que signfica tomar ao pé da letra as frases bíblicas, por ex.: Jesus mesmo não anunciou que "em três dias" reconstruiria o Templo (João já vai avisando que ele se referia não ao Templo de Jerusalém - que os romanos destruíram no ano 70 d.C, mas ele falava do "templo do seu corpo". Bem, seriam 3 dias. Ora, ele morreu por volta das 3 da tarde (a nona hora como eles chamavam) da sexta, então, às 3 da tarde de   domingo seriam 48 horas depois. No entanto, os evangelistas contam que as mulheres já foram cedinho "no primeiro dia da seman", isto é, domingo levando bálsamos para ungir o corpo de Jesus no domingo bem cedinho. E... Jesus "já" havia ressuscitado de madrugada, conforme contou às mulheres o anjo (ou os anjos, depende do evangelista que relata não o "noticiário" de tv mas o "resumo" da fé!!!). Então, quer dizer que Jesus ficou sepultado umas 24 horas até 3 da tarde sábado e talvez mais umas 12 horas até 3 da madrugada de domingo? De qualquer maneira não deu tempo nem de "dois" dias completos!!! Então a bíblia tá errada? não era para ressuscitar ao terceiro dia? Nesse caso a bíblia está certa se contamos o dia da morte, o primeiro, sábado o segundo, primeiras horas do domingo o 3º!. 
Então "terceiro" dia e "em três dias" da reconstrução do templo não é para ser contabilizado em minutos, horas etc. O núcleo da Fé aqui é o que diz o anjo (há duas frases: por que buscais entre os mortos quem está vivo? e outra: ele ressuscitou, não está aqui. Ide dizer aos discípulos, etc. O núcleo da Fé é que as mulheres tiveram a notícia alegre em "primeira mão" como se diz atualmente. Não interessa se Jesus se mostrou ressuscitado em primeiríssimo lugar à sua mãe Maria (como gosto de pensar de acordo com uma tradição carinhosa muito antiga) nem se João que "a levou para sua casa" conforme se diz na Paixão estava junto nesse "momento" da "aparição"!!! Acho que todos concordaremos que esse detalhes são irrelevantes e há muitos pontos diferentes (número de anjos, mulheres, discípulos, locais, etc.) nos relatos dos evangelistas. E tudo isso é normal, é humano, foram textos compilados em décadas diferentes, a partir de testemunhos e "fontes" - termo hoje muito usado na imprensa - diferentes. 
Não é por aí que se desenvolve nossa Fé.
Acho que todas essas comparações (e até algumas "brincadeiras") sobre textos bíblicos podem nos ajudar a não querer respostas que ninguém pode dar.
Para terminar, penso que o questionamento se os Santos (ou quem já morreu na Fé ou na Caridade e Amor de Deus) estão no céu, mas... têm de esperar o "juízo final" para ressuscitar... 
Cremos na promessa do Senhor que nos deu sua vida (sua carne e seu sangue, ele que é o pão da vida, o sustento da vida) para, como diz Paulo tantas vezes, nós também que "morremos" para o "mundo" (o pecado, o mal, a morte, a violência, etc.) ressuscitaremos também com Cristo. Não é arrogância. É presente (de graça, é Graça de Deus) que ele nos deu. O Pai não pode dar uma pedra ou uma cobra ao filho em vez do pão, disse Jesus em outro momento. Ele só nos dá coisa boa. 
Em todo caso, baseados na própria Bíblia, desde o Gênesis, podemos crer que Deus criou o homem e Ele dá o presente de "não morrer para sempre" (Aquele que crer em mim viverá). Se não estivéssemos meditando sobre nossa Fé, mas fazendo filosofia como na Grécia antiga, ou com os filósofos modernos, poderíamos discutir o que é corpo, o que é alma, como que pode a alma ser "imortal" quando vemos que o "corpo" é mortal - apodrece na cova... (nisso a linguagem em todas as religiões é parecida com as filosofias, com os costumes dos antigos egípcios e suas múmias, com as crenças em milhares de culturas de povos que viveram ou vivem nas florestas etc.). A bíblia usa termos e conceitos conforme cada época em muitos livros e até concepçõs de outras culturas não hebraicas, que aceitavam ídolos, vários deuses, mitos, etc. Mas a bíblia não visa uma discussão, digamos, filosófica. Tanto o A.T. como a pregação de Jesus e o N.Testamento, anunciam que o homem - que morre e, pior que pode perder não só corpo como a "alma" , ver as palavras do próprio Jesus!! - o homem tem a promessa de superar até a morte. 
Não é aqui o lugar mas é obvio que não se trata, quando falamos de ressurreição, de reunir as mesmas moléculas (aliás, quais, da minha infância ou de anos posteriores?) e o mesmo corpo voltar a viver, com os mesmos ossos e músculos de "antes"... Basta ler os relatos de Cristo ressuscitado para ver que ele (é ele mesmo "não sou um fantasma", como dizia aos apóstolos assustados) ele vive (está vivo, pode comer peixe, pode conversar com eles). Mas, ao mesmo tempo, é uma vida renovada, muito mais plena que a do "tempo" e das condições que nós atualmente conhecemos. É assim que Jesus entra na casa dos apóstolos com portas fechadas, caminha sobre as águas, aparece não no meio da rua ou do mercado mas só se mostra às testemunhas "previamente escolhidas " como diz Pedro, nos Atos. O milagre (também o milagre da vida e o da ressurreição) é como o Amigo do Milton Nascimento, é "coisa pra se guardar" no coração. O milagre é para saborear na oração e na Fé. Não é espetáculo de palco ou de tv. Desse aliás, há muito por toda parte, para todos os gostos...
De qualquer modo acho estranho pensar que pessoas vão ficar dormindo milhares de anos (ou milhões?) esperando o juízo final. O tempo para cada um termina com sua morte. Parece que um "dia" único para a "segunda vinda do Cristo" é para a conclusão geral, o encerramento de todo esse universo atualmente conhecido. Também nas primeiras gerações de cristãos houve um tempo em que am a volta de Cristo já no tempo deles - temos notícias dessa convicção até nas epístolas do N.Testamento. Depois viram que ainda não era para já...
As pessoas, porém, junto de Deus, "abraçaram" o eterno, como diz uma amiga, e, portanto, vivem num eterno presente (e, acredito eu, pelo poder de Deus, podem ver, com ele, o "passado" e o "futuro" aqui da história humana.
Que o Senhor aumente a nossa Fé (Confiança para não desanimar nem desistir do amor dele). E possamos também que não temos respostas para todas as perguntas.
Para terminar vamos meditar nas palavras do nosso surpreendente Francisco no sermão da vigília da Páscoa neste Sábado em Roma: "Por que procurais entre os mortos aquele que está vivo? Não está aqui. Ressuscitou" (Lucas 24, 5-6). E continua, comentando o evangelho d Páscoa: "é a novidade de Deus diante dos olhos daquelas mulheres, dos discípulos, de todos nós: a vitória sobre o pecado, o mal, a morte, sobre tudo o que oprime a vida e lhe dá um rosto menos humano" . 
É nesse nosso "hoje" que vivemos tanto a morte como a Graça da superação, dada pela Ressurreição de Jesus. Que um dia será nossa também. Essa é a certeza da Fé. 
O juízo final será certamente a grande festa de encerramento com todo mundo presente, por assim dizer. Deve ser uma grande banquete, como as comparações que Jesus apresentava sobre o Reino de Deus. Essa reunião ou assembleia geral para julamento de toda a humanidade só pode ocorrer em novas condições de vida, senão teríamos de raciocinar em termos atuais de espaço, serviço de alto-falantes, telão, etc.... fica parecendo encerramento da copa do mundo... onde não pode todo mundo estar no mesmo estádio. Não caberia...
O que sabemos mesmo é que Deus é Pai, Deus é bom. Vinde a mim todos que estais sobrecarregados e eu vos aliviarei. Isso é Jesus, segundo nossa Fé.
(bate-papo atendendo a um pedido do meu grande amigo Salviano - Páscoa, 31.03.13, abração de um teólogo que gostaria - mas não pode - renunciar como B.16 para se dedicar à oração e ao estudo)

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